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Foto do escritorFelipe Lange

O que esperar do México com Obrador?

Atualizado: 3 de dez. de 2021

Parte 2: Um esquerdista surpreendente


Embora a economia mexicana tenha se comportado relativamente bem nos últimos anos, os problemas de altos índices de criminalidade, assim como corrupção, permaneceram. Em 2017, último ano antes do ano eleitoral, metade dos mexicanos admitiram pagar suborno (menor que no Brasil, que teve um índice de 11 %). A taxa de homicídios continuou tendo recordes.


Esses foram alguns dos fatores que acabaram desembocando na eleição de Obrador. Assim como Lula, após várias tentativas, o político de esquerda venceria as eleições.


O atual presidente Andrés Manuel López Obrador (mais conhecido pelas iniciais AMLO), de extrema-esquerda e defensor aberto do socialismo (como vocês podem ver por essa foto de abertura do artigo que coloquei, com Nicolás Maduro, e não foi apenas com a foto), foi eleito praticamente de lavada com relação ao concorrente Ricardo Anaya, em julho de 2018, além de ter conseguido maioria no parlamento do país. O cargo seria assumido em dezembro do mesmo ano, tendo sido saudado também por Lula em uma carta escrita. Seu partido, Movimiento Regeneración Nacional (conhecido como MORENA), fundado pelo próprio, nascera oficialmente em 2014, tendo como a principal ideologia uma "mistureba" de ideias socialistas e de social-democracia. Ele já havia sido político, tendo sido prefeito da Cidade do México, de 2000 a 2005.


Assim como vários políticos desse espectro ideológico, Obrador já perseguiu os seus críticos, ao mesmo tempo se contradizendo ao prometer cortar impostos pela metade e expandir a previdência, assim como subsidiar a agricultura com "preço mínimo". Ele prometeu, também, expandir gastos com universidades, em simultâneo com um discurso de acabar com os privilégios do funcionalismo estatal (quase um Collor). Para tentar tirar algum pânico, disse que iria "manter a austeridade, independência do Banco Central e responsabilidade fiscal". Não tem como não se lembrar daquela carta que Lula fez aos eleitores e demais setores da sociedade. As coincidências não cessam aqui.


O ano de 2019 não foi nada fácil. Teve protestos contrários a ele e a criminalidade continuou alta. Houve uma recessão, com dois trimestres de contração e um com estagnação, algo que não ocorria desde a crise de 2008. Iremos explicar isso imediatamente. E com detalhes que não me ative com os presidentes anteriores. Neste ano de 2020, também tivemos protestos contra o pagamento de impostos.


Mas por que o México ficou deprimido?


Essa forte contração pode ser considerada como uma recessão. Como aquela economia que, anos atrás, estava indo relativamente bem, começou a agonizar dessa forma?


Eis o gráfico abaixo:



Crescimento anual do PIB trimestral (acumulado dos últimos doze meses), de maio de 2017 até março de 2020


Visto o gráfico, então vamos aos motivos, e o que pode ser já deduzido:


(1) A prometida obra aeroportuária na Cidade do México não saiu. Andrés havia dito de que faria um referendo, já em 2018, para dar continuidade à obra de um novo aeroporto, que havia começado anos antes, ainda sob o governo Peña Nieto. O problema é que o referendo foi feito em regiões majoritariamente controladas pelo próprio partido (o MORENA), com apenas 1% dos votantes registrados e com perguntas que já enviesavam o resultado desejado por ele. Já havia alguma preocupação e previsão do que poderia acontecer caso o projeto fosse cancelado. O projeto faraônico havia sido iniciado pelo antecessor através de uma mistura de financiamento estatal e privado (60%, ou seja, o estado como o maior "investidor") e, naquele momento, 35% da obra já estava pronta, assim sendo, US$ 5 bilhões já gastos. Como os investidores envolvidos tinham a expectativa de retorno naquilo que eles aplicaram e havia um contrato, então o governo não podia simplesmente parar a obra e deixar os investidores sem dinheiro. Com o cancelamento, então na prática foram gastos mais US$ 5 bilhões. E adivinha quem pagou a conta? Os pagadores de impostos do México. A obra teria custo previsto de US$ 13 bilhões. Agora o plano é que ele expanda as operações aeroportuárias em outra região, na cidadezinha de Santa Lucía, de aproximados 3600 habitantes, aproveitando um aeroporto militar que já existe ali. Isso, por sinal, lembra muito o que foi feito no governo Dilma, quando ela simplesmente revogou os contratos com o setor elétrico e gerou depois um custo altíssimo para nós consumidores. O fato é que isso traz um sinal aos investidores estrangeiros: nós não cumprimos contratos. Isso gera uma grande insegurança para os futuros investimentos, que também influenciam no cálculo do PIB. Para começar, Peña jamais deveria ter começado qualquer obra aeroportuária, dado de que gastos estatais sempre são deletérios para a economia. Agora que já começou, o mínimo que deveria ser feito seria em abrir o setor ao investimento privado, estrangeiro ou não. Só o tempo dirá o que irá sair desse esquema maluco. Atualmente a Cidade do México conta com um aeroporto, o Aeropuerto Internacional de la Ciudad de México, que é totalmente controlado pelo estado. Uma agência do estilo da Infraero atualmente controla vários aeroportos no país.


(2) E várias outras quebras de contratos e intervenções completamente estúpidas no setor econômico (e mais referendos, superando a Marina Silva), entre elas leilões esquisitos de refinaria de petróleo, além de uma legislação draconiana para punir evasão fiscal (supostamente). Some isso com outras trapalhadas na estatal Pemex, que também acumulou prejuízos no ano passado. O resultado é que atrapalhou também os investimentos estrangeiros no setor de petróleo. E mais isso. A Pemex afundou.


(3) Com toda essa incerteza, a indústria também desabou a níveis que só não são piores do que durante a crise de 2008. O setor industrial mexicano, assim como o brasileiro, também ocupa uma parcela importante do PIB no país (no México é por volta de 30% do PIB, ao passo que no Brasil o setor ocupa aproximadamente 18%, pior do que os 22% de outrora por culpa disso).


(4) A chamada incerteza gerada pelo regime, portanto, é a principal causadora de uma retração tão significativa na economia mexicana.


Motivos esclarecidos, vamos aos outros dados e fatos ocorridos relevantes na área econômica em seu governo.


Para a presidência do Banco Central, Alejandro Díaz de León Carrillo continuava no cargo (fora nomeado em 2017 pelo antecessor Peña Nieto) que, além de defender a integração do México à economia mundial, defende uma política monetária e fiscal rígidas. Por algum milagre, apesar de Obrador ter interferido em tantas outras coisas, de maneira surpreendente ele tem deixado o Banco Central atuando sozinho.


Para a Secretaría de Hacienda y Crédito Público (ou "Secretaria de Fazenda e Crédito Público"), quem havia entrado de princípio havia sido Carlos Manuel Urzúa Macías. Acabou que renunciando em julho de 2019 (por divergências com setores dentro do governo, e não foi o primeiro e provavelmente não será o último a sair; qualquer semelhança com o governo Bolsonaro é mera coincidência), o que fez a cotação do dólar americano disparar, pois era bem-visto pelo mercado e tinha credibilidade e um plano em controlar as finanças do país. Quem entrou foi Arturo Herrera Gutiérrez, com alguma experiência no setor bancário privado, alguns anos no Banco Mundial, assim como na Secretaria de Administração e Finanças na Cidade do México (que é a capital do país e ao mesmo tempo uma unidade federativa). Segundo ele, a culpa da retração na economia mexicana está na guerra comercial entre Estados Unidos e China, o que é um equívoco, já que em 2019 a Bolívia e o Chile sofreram de perto uma baderna (e cresceram inclusive mais que o próprio Brasil). Ele tinha um plano ambicioso de apresentar o superávit primário (orçamento positivo em relação ao PIB, excluindo pagamento de juros sobre a dívida) de 1% já em 2019 (veremos se ele apresentou resultado mesmo). O seu chefe já falhou em prometer no seu primeiro ano um crescimento forte.


O crédito ficou praticamente estagnado durante todo o mandato do atual presidente até o momento, tendo subido só no começo deste ano de 2020. Isso pode ser observado através do agregado monetário M1, a soma de todas as cédulas e moedas metálicas em poder do público mais todos os depósitos à vista.


M1, de 30 de novembro de 2018 até maio de 2020.


Isso aconteceu em simultâneo com a subida na taxa de juros, que havia atingido o pico de 8,25% ao ano (havia subido de 8% para 8,25%, em 20 de dezembro de 2018). Após o meio do ano de 2019, as reduções começariam a ocorrer. Foi uma queda considerável, mas ainda longe da política pombalista do Banco Central do Brasil. Ou seja, ao passo que no México os juros foram abaixados em 33% (de 8,25% para 5,5%), no Brasil foram em 53%. Os juros finalizaram o ano de 2020 em 4,25 %.


Como houve um erro técnico por parte do Trading Economics, então coloquei a taxa de juros de 01/01/2019 até 16/05/2020, na qual eles acertaram. A taxa de juros correta de novembro e dezembro de 2018 está aqui.


Sua paralisação, além de ter sido causada pela alta dos juros, também foi originada pela depressão que o país sofreu.


O desemprego, entretanto, quase ficou inalterado, mantendo as baixas históricas.


Taxa de desemprego de maio de 2015 até março de 2020.


A inflação, algo alta para os padrões locais (embora estivesse em queda desde o fim de 2017), foi caindo lentamente. O que causou a alta no começo do ano pode ter sido o surto do SARS-CoV-2 e, consequentemente, o aumento da demanda mundial por dólar (quando há a fuga para os títulos considerados seguros, títulos do governo americano), causando a desvalorização do peso mexicano.


Vale lembrar que, ao passo que a meta de inflação no Brasil é de 4 % (para 2020; para 2019 era de 4,25), no México é de 3% (no Peru é de 2%).


Inflação de preços, novembro de 2018 até abril de 2020.


Taxa de câmbio entre dólar americano e peso mexicano, começo de 2018 até 17/05/2020. No começo de 2020, o dólar chegou a valores não vistos desde o segundo semestre de 2018.



O resultado é que, além de o México ter mantido o grau de investimento, ele ficou com juros reais atraentes. O gráfico abaixo mostra o histórico breve dos juros reais, durante o governo todo dele, até abril deste ano de 2020. Os juros reais são calculados descontando a inflação de preços do mesmo período (posso fazer até um artigo à parte para ensinar a fazer isso).


Juros reais no México. Elaboração própria.



Um fator que pode pesar também negativo para o governo é se ocorrer de o país perder o grau de investimento, cuja possibilidade aumentou diante de tantas trapalhadas e incertezas causadas por ele. Se o país perder o grau de investimento, mais pessoas de fora do país são proibidas de aplicar dinheiro no país (inclusive fundos de pensões são proibidos de aplicar no país). Com isso, a demanda pelo peso mexicano cai, desvalorizando a moeda. Desvalorizando a moeda, reflete na inflação de preços, que é um dos componentes principais de popularidade dele.


Lembram-se que o Arturo Herrera prometeu superávit primário de 1% do PIB em 2019? Vejamos. Acessei o site deles e obtive os dados fiscais. Eis o primeiro gráfico.


Gráfico elaborado por minha conta.



Conforme demonstrado, o superávit primário foi cumprido à risca, com 1,1% do PIB. Não foi com a rigidez feita no primeiro governo Lula (que impôs uma meta de 4,25% de superávit primário), mas pelo menos foi cumprido, o que é notável para um país cuja economia retraiu consideravelmente.

Para fins de honestidade intelectual, comparei desde o ano 2000. Notem que, de 2009 a 2016, o resultado primário ficou negativo. Uma das possíveis razões é que, apesar de a economia americana ter se recuperado após 2012, em 2014 a moeda americana passaria a ser mundialmente forte, o que novamente derrubou os preços internacionais do petróleo, dos quais a estatal Pemex obtém as receitas.


Agora temos o orçamento total, incluindo também o pagamento de juros da dívida.


Gráfico também elaborado por minha conta.


Apesar da queda contínua na atividade econômica e de tanta maluquice feita, o déficit diminuiu de - 2 % para - 1,7%, o que até chama a atenção, pois uma queda na atividade econômica usualmente causa aumento nos déficits.


Agora peguemos o mesmo período, dessa vez com as receitas obtidas pela estatal Petróleos Mexicanos, em valores brutos.

Gráfico feito por minha conta.



O que deve ser levado em conta é que o México está entre os 15 maiores exportadores de petróleo do mundo, várias posições à frente do Brasil.


Com relação à dívida, ela pouco mudou. Assim como com os gráficos anteriores, elaborei tanto os dados da dívida líquida quanto os da dívida bruta. A dívida bruta é a que realmente interessa, pois ela é quem mais traz dados fieis à realidade. Obtive os dados por aqui.


Gráfico comparando as dívidas bruta e líquida do setor estatal federal.



Coloquei ambas as dívidas, para tentar ser mais transparente, dado o fato de que o Trading Economics usa a dívida líquida. Se analisado pela dívida bruta, ela subiu 0,2 ponto percentual. Pela dívida líquida, caiu 0,6 ponto percentual. As dívidas mostradas dos governos anteriores, as publicadas no Trading Economics, são líquidas. Por algum motivo desconhecido, para os anos de 2017 e 2018, a dívida líquida pega diretamente da fonte está 0,1 ponto percentual maior do que se obtida pelo site Trading Economics. Quem souber de algo, favor comentar abaixo!


Portanto, em questão fiscal, pode-se dizer de que foi algo até aceitável.


Agora, analisando por números brutos, os gastos ficaram praticamente congelados durante todo o ano de 2019, apesar da hecatombe. Isso não ocorria desde 2000. Preste atenção nos dois gráficos abaixo.

Gráfico analisando os gastos totais, em pesos, desde meados de 1995. Em janeiro de 2020, aproximadamente 2,2 trilhões de pesos mexicanos.


Agora, analisando em dados mais de perto, desde meados de 2010. O congelamento começou antes, mas ele continuou ocorrendo mesmo com a mudança do presidente.


Parte do legado pode ter sido graças ao antecessor de Artur Herrera, Carlos Manuel Urzúa Macías. Se eles tivessem respeitado todos os contratos e evitado toda aquela bagunça, haveria até contração nos gastos e, por que não, havido um superávit mesmo com o pagamento dos juros (ou seja, superávit nominal).


Nesse ponto, agiu certo.


Para a Secretaría de Economia (que também é um ministério, assim como a Secretaria de Fazenda e Crédito Público), quem entrara foi Graciela Márquez Colín. Acadêmica de algumas décadas, tendo doutorado em História Econômica em Harvard, publicou também a tese denominada "The political economy of Mexican protectionism, 1868-1911", onde há uma breve descrição do que ocorreu no México em medidas protecionistas e como isso beneficiou certos setores econômicos. Em dezembro de 2020, ela seria substituída por Tatiana Clouthier Carrillo que, em 2018, ajudou Obrador na campanha presidencial. Realmente, foram muitas mudanças no gabinete ministerial.


Todavia, o país sofreu alguns golpes grandes, além dos sofridos pelo AMLO. A estatal Pemex teve sua nota de crédito rebaixada para grau especulativo, além de o país ter perdido pontuação de crédito. Ainda não está em grau especulativo para o país como todo, mas esse risco existe. É fato que as agências de risco não são totalmente confiáveis, mas quanto mais alto o grau de crédito, menores serão os riscos para empréstimos e, consequentemente, menores serão os juros para investimentos produtivos. Isso seria uma ruína para o México, e para o próprio governo do AMLO. A situação está tão ruim que a Pemex já está pior do que a Petrobras em endividamento (inclusive a Petrobras voltou a ganhar grau de investimento). Obrador prometeu não privatizar a estatal, mas ele pode tomar esse caminho, já que ele tem mostrado sinais de pragmatismo e uma estatal destruída vai acabar interferindo em todo o país, já que sempre que ela entra em prejuízo, quem socorre é o governo, consequentemente os pagadores de impostos.

Apesar da baderna acima relatada, tivemos dois fenômenos e eventos que estão amenizando, por ora, os estragos:


(1) O Obrador defendeu, em janeiro deste ano de 2020, uma posição favorável por uma moeda forte, além de controle de despesas e investimento estrangeiro maior. Esquecendo a contradição desse maior investimento estrangeiro (pois ele praticamente espantou os estrangeiros em 2019), o fato é que o discurso emitido por um político ou burocrata que está no controle de uma moeda, sobre ela própria, irá mostrar qual caminho irá ser tomado: o de uma moeda em valorização ou uma em que tomará o caminho do buraco. Se o presidente fala abertamente de que quer uma moeda forte, então esse é que vai ser o caminho, pois essa é a imagem que os investidores estrangeiros e domésticos terão da moeda, aumentando naturalmente a procura por ela. De qualquer forma, nada mais amigo dos pobres do que uma moeda forte.


(2) Apesar da baderna causada no ano passado, o investimento estrangeiro direto, entretanto, mudou pouca coisa. Por quê? Porque o México hoje é líder no chamado carry trade, que nada mais é do que você pegar dinheiro emprestado de países com juros historicamente baixos (como o Japão) e aplicar em títulos de países com juros maiores (como quase sempre foi o Brasil). Os ganhos então vêm com a diferença desses juros. Mas não é ruim vir mais gente para o país aplicar em títulos do governo? Os déficits vão continuar existindo e tendo de ser financiados. Se não forem financiados pela população local, não será pelos estrangeiros. Com isso, os juros terão de ser subidos novamente, e com esses juros mais altos, que interferem também nos investimentos produtivos, os custos para financiar empreendimentos para gerar riqueza ficarão maiores. Detalhes neste comentário. Dado o fato de que o carry trade ficou atrativo no país e que o presidente também fez uma defesa aberta de uma moeda forte (o que é uma surpresa e que até agora me causa confusão mental), o peso mexicano tem também se valorizado. Essa procura maior nesse tipo de transação também aumenta a demanda mundial pelo peso mexicano. As reservas internacionais continuam fartas (tendo um novo recorde no fim do mês de junho).


Se isso irá se manter até 2024, só o tempo dirá.



AMLO cortou na saúde???


O sistema de saúde mexicano supostamente sofreu cortes no orçamento. Supostamente porque não se sabe ao certo se isso ocorreu de fato, pois os dados dos gastos não cobrem sequer ainda o ano de 2018. Ou seja, ainda não saíram.

Usar a escassez de medicamentos e demais serviços como um argumento contra o AMLO em específico é errado (ou contra qualquer outro presidente), pois isso é esperado em qualquer sistema estatal de saúde (inclusive o britânico), e para qualquer brasileiro, isso não deveria surpreender. Entretanto, partindo da premissa de que os gastos realmente foram cortados no setor e dado o fato de que o sistema de saúde é controlado pelo estado, é até esperado que isso pudesse ocorrer pois, por não existir um sistema de preços e nem algum sistema de livre concorrência, o setor precisa de cada vez mais verbas, já que a demanda passa a ser infinita, mas a oferta não, e esta última ainda é mais restringida pelos gastos, já que bilhões são gastos e desperdiçados com recursos escassos, inclusive equipamentos e medicamentos.


O que pode ter causado essa gambiarra é que Obrador centralizou o sistema de saúde, o que nunca funciona, além de ter criado mais obstáculos para fornecedores. Quanto mais centralizado, mais ineficiente, mais complicada fica a tomada de decisões de comprar insumos, direcionar gastos, entre outras coisas. O SUS é basicamente isso. É o que pode estar causando coisas como isso e isso. Há ainda outras bizarrices como o fato de que o corte no orçamento foi redirecionado para dar dinheiro para multinacionais de beisebol para custear bolsas de jovens "nem-nem" (curiosamente e saindo um pouco do assunto, graças aos bloqueios e quarentenas impostos, muitos jovens de universidades estatais ficaram compulsoriamente assim aqui no Brasil). É até esquisito um presidente populista embarcar nessa (especialmente um de esquerda), pois mesmo o Boris Johnson, adorado por muitas pessoas de direita, defende aumentar gastos com o falido sistema de saúde britânico.



O fenômeno da desbancarização


O México é um dos países da América Latina com menor taxa de adultos com contas bancárias.


A taxa no país, em 2017, ficou de 20 a 39% da população com ao menos uma conta bancária. Menor do que em países conhecidos pelo setor informal gigante, como Bolívia e Peru (40 a 64%) e, em menor intensidade, no Brasil (65 a 89%). O diagnóstico foi mostrado pelo próprio Secretário da Fazenda. Aliás, Brasil, Chile, Venezuela e Costa Rica são uns dos poucos países da região com com mais da metade das pessoas bancarizadas.


Percentual de adultos com uma conta bancária, 2017. Fonte está na seção inferior da imagem.


Uma das responsáveis, aliás, por ter expandido as contas bancárias no Brasil foi a profusão de fintechs como a própria Nubank (por favor, isso não é nenhum tipo de publicidade!), que na verdade não é um banco no sentido formal do termo, e sim uma prestadora de serviços financeiros (aliás, se São Paulo fosse uma cidade-estado independente, concorreria com Cingapura... há muitas pessoas ali com capacidade empreendedorial). Se o ambiente para os bancos fosse tão bom assim, então no Brasil já haveria o Bank of America, Capital One, Wells Fargo, Deutsche Bank e tantos outros já se acotovelando para abrir suas filiais no país. Pelo contrário, no Brasil o que houve foi somente mais e mais concentração bancária, inclusive com estatais no meio.


Então dezenas de milhões de mexicanos ficam longe dessas conveniências: obter empréstimos (inclusive para abrir negócios ou expandir os investimentos), fazer transações sem precisar carregar várias cédulas (especialmente em um país com criminalidade similar à brasileira), assim como fazer poupança em um local seguro (ao menos em teoria).


O que mais de relevante foi feito?


Vamos começar as medidas adotadas até o momento, pelas piores (além das terríveis já mencionadas):


(1) Governo, através do Servicio de Administración Tributaria (grosso modo, a versão mexicana da Secretaria da Receita Federal), passou a obrigar os bancos a repassarem e exigirem de seus clientes o e-mail ou o telefone pessoal para o serviço fiscal do governo. Obviamente que isso é só mais uma forma de controle sobre os indivíduos. Dado o fato de que Obrador já tem um histórico autoritário, não é duvidoso imaginar que ele poderia usar também para perseguir os opositores. É possível que isso tenha algum objetivo em diminuir a parcela de receitas da estatal Pemex sobre o total das "receitas" obtidas pelo governo.


(2) Embora não tenha sido proposto exatamente pelo presidente, um dos congressistas de seu partido (o MORENA), em abril desse ano, propôs uma espécie de estatização total na previdência. Atualmente, o sistema previdenciário mexicano é misto, portanto havendo iniciativa privada, atuando somente com autorização da Consar, a Comision Nacional del Sistema de Ahorro para el Retiro (Comissão Nacional do Sistema de Economias para a Aposentadoria). Até o fim dos anos 90, o sistema era aquele de pirâmide, velho conhecido, o de repartição. Depois mudou para o sistema de capitalização, após a metade da década de 90. Quem fica no esquema são os chamados Afores, empresas privadas que administram esses fundos de pensão, sob a legislação estatal. É imperfeito, mas levar a previdência para mais controle estatal irá levar para o buraco de vez. Na prática, é como se agora a administradora da previdência privada passasse a ser dos Correios, já que quem ficará no controle será o Bansefi, um banco estatal cuja função é de supostamente entregar programas sociais para os mexicanos.



(4) Outro plebiscito bastante esquisito.


(5) No ano de 2019, ele prometeu de que não haveria mais os chamados "gasolinazos". Segundo ele, os postos de combustíveis devem repassar integralmente os potenciais cortes de custos. E como ele sabe disso? Essa é a mentalidade de planejador central, de ter presunção em saber o exato funcionamento de toda a cadeia na economia. Ele mesmo é quem atrapalhou os investimentos privados no setor, então a culpa é dele. Por enquanto os preços da gasolina ainda não foram para altas históricas, mas eles podem voltar a subir em algum momento. Como ele praticamente sabotou o investimento no setor, ele terá de fazer um juramento para que os contratos voltem a ser respeitados, além de realizar uma profunda abertura no setor de petróleo, gás e derivados, se aproximando do vizinho Estados Unidos. É bastante consolador que, como dito antes, pelo menos os mexicanos estão usando uma gasolina de verdade, e não a mistura que a gente engole aqui no Brasil.


Eis o gráfico dos preços internacionais do barril de petróleo (ou seja, em dólares).



Gráfico vai de 03/04/1983 até 10/03/2021.



(6) O financiamento do projeto do chamado Tren Maya. Uma ferrovia com aproximadamente 1525 quilômetros de extensão, para acessar com mais facilidade às ruínas do Império Maia, que é hoje uma parte do setor turístico do país. Atualmente o México possui uma extensão de ferrovias de 19,1 mil km (para uma área territorial de 1,97 milhões de km²), ao passo que no Brasil há 38 mil km para uma área de 8,5 milhões de km². Inicialmente o projeto seria 90% financiado pela iniciativa privada. Só que, "misteriosamente", não houve o investimento esperado e então o esquema será 100% estatal, custando estimados US$ 7,4 bilhões. Se o setor privado não se aventurou, é óbvio que algum problema havia. Pode ter sido mais um comportamento "dilmista". Pior: se o setor estatal tomou conta de tudo, então é prova de que é um projeto inviável economicamente. Ele começou o projeto neste dia 1 º de junho. Ainda há previsão de que o projeto maluco irá causar desastres ambientais.


(7) Além disso, ainda temos a refinaria de petróleo Dos Bocas. Essa refinaria é outro projeto bastante oneroso, que vai custar US$ 8 bilhões. Não bastasse ser um projeto estatal e com a Pemex no meio, está destruindo a vegetação litorânea de manguezais. Para quem conhece Ciência Econômica, isso não é nenhuma surpresa, já que, não apenas essa área de manguezais é estatal (ou seja, de ninguém) mas pelo fato de que qualquer empreitada estatal, além de cara, é ineficiente e não leva em conta o cálculo econômico. A área nativa, que poderia ser explorada de maneira produtiva pelo setor privado com o turismo (pois o mangue exerce um papel crucial para muitos organismos de interesse comercial, como caranguejos, moluscos e peixes), está sendo destruída por caprichos eleitoreiros do Obrador.



E as melhores medidas até o momento:


(1) O governo criou, no ano passado, o chamado Plan de Impulso al Sector Financiero, com o objetivo de incluir mais pessoas no setor financeiro. Pessoas a partir de 15 anos podem ter uma conta bancária (se são capazes de usar uma arma, por que não administrar uma conta bancária?), além de digitalizar serviços bancários para locais sem agências, incentivar a entrada de empresas no mercado de ações e a poupança.


(2) Os burocratas de alto escalão tiveram 25% de redução salarial neste ano de 2020, e sem bônus natalino. Lamentavelmente, Jair Bolsonaro (e todos os seus ministros e assessores) pelo jeito não teve interesse em reduzir o próprio salário. Nem os executivos ficaram livres das reduções salariais, mas no funcionalismo brasileiro, parece que é tudo diferente.


(3) Agora mais essa: haverá congelamento de contratação de funcionários estatais e abolição de dez ministérios. Isso mesmo, ele fechou dez ministérios (atualmente são vinte), o que obviamente provocou histeria em alguns setores de esquerda, que já querem compará-lo a Reagan e Thatcher (vale um artigo à parte sobre o que Reagan fez para os Estados Unidos). O próprio presidente já cortou o seu salário em 60% (que mensalmente agora dá pouco mais que a renda média de um americano).



É contraditório esses cortes salariais e de privilégios e ao mesmo tempo gastar com projetos malucos? Sim, mas é o que se espera de política, não é mesmo?


A encrenca do SARS-CoV-2


Os primeiros casos de infectados por esse vírus (registrados) apareceram no dia 28 de fevereiro. É possível que, assim como no Brasil, o vírus estivesse circulando no país antes. Assim sendo, pode-se deduzir de que já havia pessoas infectadas e assintomáticas antes, já que a imensa maioria de infectados não apresenta casos mais graves (só na cidade de São Paulo, o Carnaval reuniu 15 milhões). O vírus, no Brasil, já havia chegado antes de fevereiro.


Obrador inicialmente foi relutante em iniciar os pavorosos lockdowns, o que foi alterado à partir do dia 30 de março, quando as primeiras restrições começariam. Algumas medidas totalmente sem sentido e estúpidas foram aplicadas em conjunto, como controle de preços e racionamento.


No dia 3 de abril, foi emitido um decreto para extinguir contratos envolvendo dinheiro estatal (relacionados à ciência e cultura), para ser redirecionado, segundo Obrador, para despesas com programas sociais, entre outros (por volta de US$ 10 bilhões). Como meu Espanhol é terrível, corrijam-me em caso de qualquer erro! A prefeita da Cidade do México prometeu doar dois meses de seu salário para combater a pandemia. Dois dias depois, Obrador anuncia um plano nacional, incluindo coisas como crédito pessoal de 35 bilhões de pesos do Instituto de Seguridade e Serviços Sociais para Trabalhadores do Estado, para funcionários estatais (e mais créditos para várias famílias), devolver impostos e prometeu não aumentar nem criar novos impostos. No dia 7 de abril, o governador do estado de Guanajuato também anuncia doação de seu salário (no dia seguinte, outro governador faria o mesmo).


No dia 12 de abril, é anunciada uma parceria para que hospitais privados forneçam espaços para tratar pacientes com o vírus. Esperemos que isso tenha sido um acordo mesmo, e não algum tipo de imposição.


No dia 23 de abril, AMLO anuncia um crédito para pequenas empresas que não dispensarem os funcionários, de 25 mil pesos (aproximadamente US$ 1100);


No dia 5 de maio, a Secretaria de Interior se manifestou contra medidas de prisão para impor as medidas de bloqueios e afirmou que isso é uma discriminação contra os mais pobres.


Atualmente, o país permanece ainda com certas restrições, embora não em níveis de autoritarismo como na Argentina (o que foi criticado pela mídia). Obrador, assim como o seu ministro da Saúde (Hugo López-Gatell Ramírez) não são muito simpáticos aos lockdowns. O ministro recentemente disse de que os lockdowns atingem principalmente os mais pobres. Assim como no Brasil, os governadores e prefeitos é quem estão aplicando medidas de restrição, e o país recentemente vivenciou protestos contra as medidas de bloqueio.


Por que o câmbio disparou?


Esquecendo a pandemia, o fato é que o câmbio, que ficou em constante valorização desde a entrada de Andrés em dezembro de 2018, de repente disparou, começando em uma gradual desvalorização após 19 de fevereiro de 2020. Dado o fato de que o atual presidente é defensor aberto de uma moeda forte, o presidente do Banco Central possuindo também credibilidade, o grau de investimento restante e os juros reais tornando atrativos o carry trade, por que então essa abrupta desvalorização do peso mexicano?


Taxa de câmbio entre dólar americano e peso mexicano, de 02/01/2020 até 23/05/2020.



Poderia ser alegado de que a culpa foi do dólar ter se fortalecido mundialmente. Não apenas nesse período o índice DXY não mudou, mas também o peso mexicano afundou em relação às principais moedas do mundo.


Elaborando uma espécie de "Índice do Peso Mexicano", portanto comparando a moeda com as principais moedas do mundo, tais como dólar americano, franco suíço e iene japonês, os valores atingiram altas históricas. Quanto maiores esses valores, mais fraca a moeda.


"Índice do Peso Mexicano", de janeiro de 2020 até 24/05/2020.



Eis um outro gráfico abaixo, comparando a cotação de de dólar para real (linha azul), dólar para peso mexicano (linha vermelha), dólar para peso chileno (linha laranja), dólar para peso colombiano (linha azul), dólar para gourde haitiano (linha amarela), dólar para peso uruguaio (roxo mais escuro) e dólar para sol peruano (roxo mais claro).


Cotação cambial das principais economias da América do Sul (coloquei o gourde haitiano só como curiosidade), de 01/01/2020 até 24/05/2020. Note em como o sol peruano se manteve intacto.



Como você pode ver, todas as moedas desvalorizaram após o dia 19 de fevereiro, praticamente de maneira sincronizada, mudando apenas em intensidades. O peso mexicano, apesar disso, continuava superior ao real brasileiro (o dólar encareceu em reais 37,7%, contra 20,28% do peso mexicano), que é algo apenas melhor que o peso argentino (cuja cotação não coloquei pois os artistas circenses voltaram a controlar o câmbio, com o ressurgimento do câmbio paralelo) e o bolívar venezuelano (que não dá nem para considerar nem uma porcaria de moeda, pois ali já é um estágio de escambo). O gourde haitiano também está sob um arranjo de câmbio atrelado (e também é permitida a circulação do dólar americano, o que deve explicar essa desvalorização bem menor).


Se todas as moedas desvalorizaram justo após essa data, então qual foi a causa?


O fantasma das commodities. Precificadas em dólar, elas desabaram após o meio de fevereiro de 2020. A correlação é praticamente perfeita.



Preços das commodities, de 01/01/2020 até 25/05/2020.


Como já dito outras vezes, as commodities são um outro mensurador crucial da força do dólar. O pânico gerado pelo vírus SARS-CoV-2 fez também que houvesse a chamada fuga para a segurança, quando os investidores fogem para o dólar.


O que fez com que esse efeito fosse pior? Ao passo que no Brasil a culpa ficou praticamente toda em cima do Paulo Guedes e do caminho tomado pelo Banco Central, no México a situação se intensificou com instabilidade política envolvendo o seu governo e insegurança jurídica, além de mais esses agravantes:



(2) O humor dos investidores ficou ainda pior com a situação degradante da Pemex, além dos rebaixamentos de notas de crédito ocorridos no começo deste ano de 2020.


(3) Como o AMLO se recusou a fazer um amplo programa de socorro ou de comprar dívidas privadas - o que o governo americano já fez anos atrás -, isso foi mal visto por uma parcela dos investidores (o programa é esse). Lembrem-se: investidores reagem a incentivos; os economistas sabem que pacotes de socorro e estímulos prolongam recessões e são destrutivos. É injusto, mas há o outro lado: como o Obrador também impôs os chamados lockdowns, prejudicando possivelmente esse setor que pediu socorro a ele, então é contraditório ao extremo (a não ser que a CCE já estivesse operando de maneira ineficiente antes, o que não se sabe). O que fazer: desregular o máximo possível, dar prazos maiores para pagar os tributos, entre outras coisas (pelo menos ele devolveu alguns impostos). É a única maneira justa. Se socorrer, não irá ter como saber se esse setor foi atingido pelas proibições (sem contar que pode ocorrer corrupção). Em contraste, o governo irá injetar crédito para as pequenas e médias empresas. Esquisito, no mínimo. Vale lembrar que até no Japão os investidores ficaram animados após a injeção de crédito, apesar de a economia japonesa estar "zumbificada" desde o estouro da bolha em 1992 (eis o gráfico do PIB per capita do país de 1956 até 2018).


Entretanto, como mostrado neste meu artigo, o dólar tem começado a desvalorizar desde meados do meio do mês de maio. E assim foi com todos os países da América do Sul (claro, exceto a Venezuela).


Cotação cambial das principais economias da América do Sul (coloquei o gourde haitiano só como curiosidade, de novo), de 06/04/2020 até 04/06/2020.



Por que o gourde foi a única moeda que se desvalorizou nesse intervalo de tempo? Provavelmente por ser atrelada ao dólar, portanto sofrendo influência da força do dólar americano. O sol peruano desvalorizou levemente.


Como o peso argentino voltou a ser controlado, então tive de pegar o gráfico em separado, usando o câmbio paralelo. Até o peso argentino se valorizou perante o dólar. O site utilizado é este.


Taxa de câmbio entre peso argentino e dólar americano, de 06/04/2020 até 03/06/2020. Gráfico obtido por captura de tela e posterior recorte.



Além dos motivos explanados no artigo que acabei de mencionar, vale lembrar que os terroristas "antifas" (já está até classificado como tal nos EUA; no Brasil já há um projeto criado para isso), em um gesto de grande genialidade, acabaram de sabotar qualquer chance de o Trump perder a reeleição, ao menos naquele momento (mesmo porque quem foi eleito seria Joe Biden, em uma eleição bastante controversa). Uma eventual eleição de alguém do Partido Democrata poderia causar grandes distúrbios nos rumos da economia americana, afetando o mercado de ações. E isso não foi diferente com Bolsonaro, que apenas ganhou mais popularidade e sabotou qualquer chance mínima de impeachment. O brasileiro médio, assim como o americano médio, é intolerante com badernas.


Vale lembrar que as bolsas ao redor do mundo também subiram, graças às ações dos principais bancos centrais, que estão basicamente injetando dinheiro no mercado de ações. O Brasil, felizmente, está fora dessa farra. Por ora o Banco Central do Brasil, assim como o Banco Central do México, está preocupado em fazer intervenções no mercado de câmbio, cortar a taxa de juros, entre outras intervenções pontuais. Nada de fantasmas como comprar dívidas privadas, entre outras geringonças. Pelo menos por enquanto.


Após toda essa confusão, o peso mexicano voltou a se valorizar. A recente desvalorização da moeda mexicana se deu ao fato de o dólar americano ter se fortalecido mundialmente (ou seja, o seu Índice DXY subiu). As commodities de fato ficaram mais caras em pesos mexicanos, mas ainda não chegaram em alta histórica (ao contrário do Brasil).


Ao passo que o real brasileiro se desvalorizou aproximadamente 22,59 % em relação ao dólar americano em 2020, o peso mexicano se desvalorizou em aproximados 5,38 % no mesmo período.



O que mais foi feito, juros e afins


Obrador cortou subsídios (parte deles, incluindo subsídios de centenas de milhões de dólares) do setor agrícola mexicano. O resultado é que, com esses cortes nos subsídios, ficou mais barato importar milho e outras commodities.


O governo também pretende legalizar a maconha. Se o setor for deixado livre, não apenas irá gerar mais emprego e renda, mas também pode tirar parte do poder dos poderosos cartéis mexicanos do narcotráfico, um problema crônico para aquele país de décadas.


Agora é hora de atualizar mais dados.


O agregado M1, a soma de todas as cédulas e moedas metálicas em poder do público mais todos os depósitos à vista, após o disparo no começo de 2020, subiu com maior intensidade justamente no mês de dezembro.


M1, de junho de 2020 até dezembro de 2020.



No ano de 2020, o M1 no país subiu 17,6 %. No Brasil, a subida foi de 50 %.


Isso ocorreu em simultâneo, como esperado, com a continuação nas quedas das taxas de juros. Se no dia 16/06/2020 os juros estavam em 5,5 %, no final daquele ano já ficariam em 4,25 %. Neste dia 11 de fevereiro de 2021, por decisão unânime, o Banco Central do México reduziria novamente a taxa de juros para 4 % ao ano.


Taxa de juros, 16/05/2020 até 12/02/2021.



A inflação, que havia chegado à mínima de 2,15 % no mês de abril de 2020, voltaria a subir logo no mês seguinte, chegando à máxima de 4,09 % em outubro do mesmo ano.


Inflação de preços, acumulado dos últimos doze meses, janeiro de 2020 até janeiro de 2021.



O setor alimentício também sofreu alta nos preços, com altas que não ocorriam desde o início de 2018 (dados do Brasil para o mesmo ano de 2020).


Inflação de preços, acumulado dos últimos doze meses, janeiro de 2020 até dezembro de 2020, setor alimentício.



Para o mês de janeiro de 2021, o mesmo índice no setor de alimentos subiu para 6,36 % (e desacelerou para 4,3 % no mês de fevereiro).


O índice de preços ao produtor voltaria a subir, embora tenha se mantido estável posteriormente. Em 2020, chegou ao pico de 5,4 % no mês de abril, o que não ocorria desde maio de 2018 (no Brasil, chegou à alta de 26 % no mês de setembro; ainda não saíram os dados de dezembro).


Com a inflação crescente e os juros nominais decrescentes, o resultado é que os juros reais caíram ainda mais, embora não tenham chegado a valores negativos como o Brasil.


Juros reais, maio de 2020 até janeiro de 2021. Elaboração própria.



Apesar disso, os juros de longo prazo mexicanos estão ainda baixos, em aproximados 6,27 %, ainda menores do que os valores atuais no Brasil. São esses os juros que irão refletir os custos para investimentos produtivos. Os juros reais para este mês de fevereiro ficaram em 0,23 % (com inflação de preços de 3,76 % para o mês, no acumulado dos últimos doze meses, com a mesma taxa de juros de 4 %).


Com o controle fiscal, o chamado CDS (Credit Default Swap; material adicional pode ser consultado aqui) do país ainda está baixo, apesar da recente subida (quanto menor a pontuação, menor a chance de ocorrer um calote na dívida externa).


Valor do CDS mexicano de cinco anos, 14 de dezembro de 2015 até 9 de março de 2021.



No Brasil, o valor é quase o dobro (agora nos aproximamos dos mesmos valores dos valores no fim de 2018).


A taxa de desemprego no país, se havia subido para o pico de 5,5 % no mês de junho de 2020, voltou a cair, chegando no valor de 3,8 % para o mês de dezembro de 2020. São os menores valores desde o início de 2016.


Taxa de desemprego de janeiro de 2020 até dezembro de 2020.



O que pode explicar a baixa taxa de desemprego em um país burocrático como o México é a economia ter um grande setor informal, pois quem trabalha na informalidade não procura por empregos, e isso não pressiona as estatísticas. O setor informal cresceu consideravelmente neste ano de 2020. Outro fator que pode interferir é o fato de benefícios para desempregados serem menos fartos do que em outros países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, da qual o México faz parte), já que os benefícios menores criam uma tendência maior de procurar emprego e, consequentemente, de conseguir um emprego, já que os benefícios da empregabilidade são maiores. O salário mínimo no país também é mais baixo do que, por exemplo, no Brasil. Para este ano de 2021 o salário mínimo ficou em aproximados 3117 pesos mexicanos.


Apesar disso tudo, a contração econômica foi impiedosa, de forma que o México tenha sido uma das economias do mundo que mais recuaram.


Crescimento anual do PIB trimestral (acumulado dos últimos doze meses), quatro trimestres do ano de 2020.



Como dito anteriormente neste artigo sobre o Equador, os gastos governamentais também influenciam positivamente no PIB. Então, outro fator que pode ter interferido no desempenho ruim no PIB mexicano em 2019 foi o congelamento feito nos gastos estatais.


Infelizmente ainda não saíram os dados dos gastos totais do governo de dezembro (temos apenas até o mês de agosto; ao menos até este mês, os gastos continuaram algo congelados). Entretanto, Obrador surpreendeu novamente o mundo com a sua relativa austeridade.


Recentemente, ele foi criticado pela mídia por não ter embarcado em grandes programas de estímulos fiscais (que nada mais são medidas keynesianas e desastrosas). O governo mexicano foi o governo que menos gastou entre as economias latino-americanas em relação ao PIB: ao passo que o governo brasileiro gastou mais de 8 % do PIB com os estímulos, o governo mexicano gastou pouco mais de 1 % do PIB, uma diferença extremamente considerável. Aliás, o governo do Brasil foi campeão na região em prodigalidade fiscal.


Com isso, o México encerrou 2020 com superávit primário de 0,1 % do PIB e déficit nominal de 2,9 % do PIB (em 2019 o superávit primário foi de 1,1 % do PIB e o déficit nominal em 1,7 % do PIB). A dívida bruta ficou em 53,8 % do PIB (em 2019 a dívida estava em 46,8 % do PIB), uma subida considerável, mas ainda em níveis toleráveis para um país emergente. Aliás, isso foi uma proeza para um país que ficou fechado por vários meses e governado por um socialista. A Pemex teve um desempenho negativo, de - 0,5 % do PIB em suas receitas brutas, pior desempenho desde 2016. O orçamento, em valores nominais, mudou pouca coisa (veja em comparação com o Brasil).


Ao passo que o governo federal brasileiro gastou o equivalente a 20,28 % do PIB (excluindo gastos com dívida) em 2019, o governo mexicano gastou 11,35 %, ou seja, quase a metade.


No Brasil, o déficit nominal ficou em 13,7 % do PIB (primário de 9,49 % do PIB). A dívida bruta do governo foi de 74,3 %, em 2019, para 89,3 % do PIB em 2020. Para compararmos em déficit nominal, basta dizer que a Alemanha ficou com déficit de 4,8 %, a Índia com 9,5 %, Israel com 11,7 %, Malásia com 3,2 % e Paquistão com 8,1 %. Em dívida bruta, dos poucos dados que saíram de 2020 ao redor do mundo, a Bulgária ficou com uma ínfima dívida de apenas 24,3 % do PIB (o Currency Board simplesmente fez a dívida governamental despencar). Em despesas com juros da dívida, a redução nas despesas foi ínfima: o gasto com juros foi de R$ 312,427 bilhões em 2020, enquanto em 2019 foi de R$ 367,282 bilhões, portanto uma economia de aproximados R$ 54,85 bilhões. Isso não paga nem metade do orçamento do Ministério da Saúde (e muito menos o que foi gasto com auxílio emergencial).


Lembrando: o Brasil não tem superávit primário desde 2014 e o México ainda tem grau de investimento (ainda, pois as trapalhadas na Pemex podem interferir negativamente na credibilidade do governo). Existe a previsão de que o Brasil vá ter superávit primário somente no ano de 2026 ou 2027. Analisando o desempenho fiscal pornográfico do Brasil no ano passado, essa previsão está até algo otimista.


Outra coisa surpreendente foi nas reservas internacionais: mesmo no cenário caótico mundial e com vários países vivenciando fuga de dólares, o México foi um dos poucos países do mundo onde houve um aumento nas reservas internacionais (após uma estagnação depois do ano de 2016), conforme mostra gráfico abaixo.


Reservas internacionais, em milhões de dólares americanos, início de 2000 até dezembro de 2020.



Um projeto controverso de lei foi aprovado no Senado do país no ano passado, envolvendo compra de dólares pelo Banxico (o Banco Central do México). O projeto em si envolveria o Banco Central do México comprar dólares dos bancos que estivessem com problemas em vendê-los para instituições dos Estados Unidos. Isso porque, quando um mexicano envia dólares ou troca dólares por pesos mexicanos (quando vem por turismo), as casas de câmbio obtêm uma titularidade de dólares, já que o dólar americano não é moeda corrente no país, e sim o peso mexicano. Assim, agora essas casas de câmbio ou instituições que tivessem dificuldades de vender dólares, teriam esses dólares comprados pelo Banxico (o banco central seria obrigado a adquirir esses dólares), adicionados às reservas internacionais. Polêmicas porque há alegações de que isso poderia facilitar a lavagem de dinheiro, já que muitos dólares que circulam no México estão relacionados à atividades envolvendo narcotráfico (principalmente dinheiro vivo, como mostra a série Narcos da Netflix). Isso além de riscos de sanções impostas ao país, pelo fato de isso potencialmente facilitar a entrada de dinheiro de origem duvidosa. O presidente do Banxico se mostrou contra o projeto. Sobre o tema de lavagem de dinheiro, sugiro ler esse texto e este (isso também foi abordado em um episódio da terceira temporada da série Narcos, o qual infelizmente não lembro).


Neste mês de fevereiro, todavia, um material foi publicado pelo próprio banco central do México, em PDF (que pode ser conferido aqui), onde aborda sobre o projeto de lei apoiado pelo Banco, assim como pela Secretaria da Fazenda e do Crédito Público. Essa foi uma solução alternativa apresentada diante da aprovação do projeto original no Senado. A pretensão seria de facilitar a abertura de contas mexicanas por mexicanos morando nos Estados Unidos, envolvendo até o Banco del Bienestar (banco estatal envolvido com programas sociais), assim como trazer taxas de câmbio mais favoráveis e aumentar o número de instituições autorizadas a receber dólares. Para evitar problemas com sanções, o Banco Central do México emprestaria dinheiro para instituições financeiras que não conseguissem vender seus dólares, através de um financiamento para compensar a falta de liquidez pelos dólares não trocados. Em tese, os dólares seriam usados como um tipo de garantia para o empréstimo. Obrador pediu para que os legisladores procurassem uma maneira de facilitar essa conversibilidade para os imigrantes mexicanos, sem entrar em conflito com instituições internacionais.


Esse é um projeto bastante relevante, principalmente pelo fato de que a grande maioria dos imigrantes mexicanos mora e trabalha no país vizinho (Estados Unidos). As remessas internacionais atingiram um novo recorde no ano passado. Os fatores envolvem o fato de que grande parte dos mexicanos residentes no país estrangeiro recebeu os estímulos fiscais promovidos no período e, com a valorização breve do dólar perante o peso mexicano, isso incentivou um maior número de remessas. O Brasil também vivenciou um aumento nas remessas, mas ainda não superou o seu recorde de maio de 1995 (que, por sua vez, provavelmente foi causado pelo pânico na Crise do México de 1994).


No dia 1º deste mês de fevereiro, Obrador enviou um projeto ao Congresso sobre o setor elétrico. Também polêmico, por dar mais poderes monopolistas na estatal de energia elétrica Comisión Federal de Electricidad (cuja sigla é "CFE"), além de criar mais insegurança jurídica, dando o poder de poder revogar autorizações de geração de energia previamente concedidas e deixando o mercado atacadista do setor mais nas mãos da estatal. Caso aprovado, seria certamente um retrocesso perante às reformas feitas no setor, durante o governo Peña Nieto. Uma onda de frio causou um blecaute (congelando os dutos que fornecem o gás natural, alcançando também parte dos Estados Unidos), atingindo 4,7 milhões de mexicanos do norte do país. No fim de 2020, ocorreria um outro blecaute. Grande parte da eletricidade gerada no país provém de gás natural, ao passo que no Brasil a matriz é majoritariamente hidrelétrica. O governador do Texas, em atitude desesperada e algo ditatorial, proibiu a exportação de gás natural, o que atingiu o México, já que parte do suprimento do gás vem do estado americano. Detalhes sobre o ocorrido aqui.


Falando sobre o setor energético, Obrador cortou 70 % do orçamento para entidades relacionadas à regulação estatal no setor. A Comision Nacional de Hidrocarburos (versão mexicana de nossa Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), a Comisión Reguladora de Energía e a Agencia de Seguridad, Energía y Ambiente sofreram um corte orçamentário de 325,1 milhões de pesos, ao mesmo tempo em que aumentou o orçamento da Secretaría de Energia em aproximados 46,03 milhões de pesos mexicanos. Seria, no total, um corte efetivo ao redor de 279 milhões de pesos.


Em 2018, Obrador havia prometido menos regulações ao setor petrolífero, apesar das trapalhadas que seriam feitas no ano de 2019 e 2020 justamente no segmento (como mencionadas anteriormente). Em dezembro último, o governo restringiu a importação de combustíveis pelo setor privado, ao diminuir o tempo máximo das licenças (indo de 20 anos para apenas 5 anos). Evidentemente contraditório.



Concluindo...


Esses aproximados dois anos de governo de Andrés Manuel Lopez Obrador foram cobertos por um misto de contradições, combinando medidas severas de austeridade e dignas de uma Margaret Thatcher, ao mesmo tempo em que várias medidas desastradas contra o setor privado foram feitas, principalmente no setor petrolífero.


O México está tendo um começo de mandato presidencial bastante difícil. Os problemas anteriores como corrupção e criminalidade permanecem, só que agora o país corre o risco de perder grande parte daquilo de bom que foi herdado após as reformas feitas na década de 90.


Apesar disso tudo, o país dos tacos continua à frente do Brasil em produtividade, abertura comercial e complexidade tributária. A mão de obra é mais qualificada e preparada, o que pode ser comprovado pelo fato de, por exemplo, muitos carros feitos no país serem exportados para o exigente mercado norte-americano.


Obrador acertou ao não intervir no Banco Central, defender uma moeda forte e ter feito algumas ótimas medidas de austeridade (talvez uma exceção no mundo durante o ano de 2020), mas errou em muitas outras, o que vai pesar bastante para o seu mandato, que irá acabar em 2024. Apesar de não existir reeleição para o presidente mexicano, ele pode sair dali tão desprezado quanto hoje, no Brasil, são Dilma, Sarney e Collor.



 

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