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Inflação: será que ganharemos dos americanos?

Felipe Lange


Com uma inflação de preços ainda alta para os americanos, especialmente dado os números altíssimos de 9,1 % em junho (em variação anual), há algumas pessoas na rede que dizendo que o Brasil terá uma inflação de preços menor do que a americana (o nosso índice marcou 11,89 % em junho, sob metodologia similar).


Essa questão foi levantada novamente por este tuíte abaixo, do ministro de Minas e Energia atual, Adolfo Sachsida (o qual, diga-se de passagem, tem mostrado boas ideias e projetos sobre a questão energética brasileira).


Será?



Tentando fazer uma checagem de fatos como fiz em fevereiro desse ano, o que ele disse sobre as expectativas de inflação brasileiras é provavelmente um fato (posso ter errado na interpretação dos fatos): possivelmente baseado no Boletim Focus, só que a expectativa ficou um melhor, de 7,54 % ao invés de 7,6 % (isso no dia 15/07/2022).


Todavia, independentemente da ideologia, o fato é que, nesses últimos tempos, o Boletim Focus já errou em algumas das previsões. Apenas para exemplificar:


  1. Em agosto de 2021, segundo o Boletim, o mercado previa que a inflação de preços ia ser de 7,27 %. A inflação foi de 10,06 % em dezembro de 2021.

  2. Em novembro de 2020, previu-se que o IPCA fecharia o ano em 3,54 %. Fechou em 4,52 %, isso num cenário com pessoas sendo proibidas de trabalhar e demandar (fomos piores do que Peru, México, Bolívia e Paraguai; Europa teve deflação).


Agora, isso quer dizer que dessa vez eles errem? Não necessariamente. Aliás, no final das contas, prever inflação de preços com exatidão é, na prática, tentar prever as interações de bilhões de pessoas ao redor do mundo. Não dá para prever e sim em apontar tendências e então, por isso mesmo, não dá para culpar a Focus por isso. Ainda no início de 2021, o Banco Central do Brasil anunciou mudanças no Boletim Focus, alterando as metodologias. Então, é também imprudente eu sair afirmando e prever se o Boletim irá errar ou não.


Temos, todavia, fatores baixistas poderosos para o Brasil: como os preços de combustíveis são um grande peso no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as incríveis reduções nos preços da gasolina e no álcool (graças à Lei Complementar nº 194, de 23 de junho de 2022) irão pressionar contra a inflação de preços. Apesar disso, os preços da gasolina nos EUA também deverão jogar nessa direção, especialmente porque o setor de postos de combustíveis no país é extremamente competitivo, onde as reduções de preço no petróleo são imediatamente repassadas às bombas.


E no caso americano? Quando ele falou da expectativa de 8,8 %, provavelmente deve ter se referido às expectativas de que esse índice atingiria esse patamar nesse mês de junho, que não foi o que aconteceu (afinal a inflação foi de 9,1 % anuais). Nesse caso, as expectativas não se referem ao longo do ano de 2022 e sim para junho.



Já fomos melhores do que os Estados Unidos nessa


Quando Sachsida disse que não se lembrou de algum momento que o Brasil teve inflação de preços menor do que os Estados Unidos nos últimos 100 anos (que seria num horizonte passado até 1922), sim, tivemos esses momentos bastante ímpares, de quando o índice de preços brasileiro ficou melhor que o americano. Isso não em periodicidades diferentes e sim naquele mesmo mês, em variação anual.


No nosso caso, tivemos uma inflação menor do que a americana em três períodos: em 1999, em 2006 e em 2007.


Em janeiro de 1999, o IPCA registrava 1,65 % anuais, ao passo que o CPI (Consumer Price Index) estava com 1,7 %. A alta após esse mês se deu à mudança do regime cambial brasileiro, ocasionando a chamada Crise do Real de 1999.


Índice de preços brasileiro (linha azul) vs. índice de preços americano (linha laranja), julho de 1998 a maio de 1999, acumulado dos últimos doze meses.



Nesse período, era fácil entender o motivo: o real brasileiro estava atrelado ao dólar americano e a sua demanda mundial estava em alta. Gustavo Franco, durante a sua presidência do Banco Central, era abertamente defensor de uma moeda forte, mantendo isso à risca.


O dólar americano, por sua vez, estava em tendência de alta de 1998 em diante no mundo, quase tanto quanto hoje. Dessa forma, o real brasileiro estava em uma situação boa em relação às principais moedas do mundo, afinal a nossa âncora estava também em boa situação. Tanto o Federal Reserve System de Greenspan quanto o Banco Central do Brasil de Franco estavam mantendo a inflação sob controle.


Agora vamos ao arranjo flutuante: em 2006, foram dois meses seguidos, sendo junho e julho.


Ao passo que em junho o IPCA registrou 4,03 %, o CPI marcou 4,3 %. Já para o mês seguinte, o Brasil presenciou uma inflação de 3,97 %, enquanto os americanos ficaram com alta de 4,1 %.


Índice de preços brasileiro (linha azul) vs. índice de preços americano (linha laranja), março de 2006 a maio de 2007, acumulado dos últimos doze meses.



O dólar americano estava em enfraquecimento mundial, ocasionada tanto pelas guerras iniciadas no governo Bush quanto por sua postura pró-moeda fraca. A nossa moeda, por outro lado, valorizou-se mundialmente, indo do peso mexicano ao franco suíço. A dupla Henrique Meirelles e Afonso Beviláqua impunha respeito sem igual à moeda.


O último ano em que superaríamos os americanos foi em novembro de 2007, quando a inflação de preços brasileira ficou em 4,19 %, contra 4,3 % dos Estados Unidos. Em maio de 2018, quase ganhamos dos americanos, com o IPCA tendo sido de 2,86 % (contra 2,8 % dos EUA), já sob o tradicional Ilan Goldfajn. Todavia, a postura mais pombalista do BCB no início de 2018 cobrou o preço, quando provocou a desvalorização do real e se refletiu no IPCA, além do fator poderoso do ano eleitoral.


O autor deste artigo pode ter entendido totalmente errado as comparações e, dessa forma, dispõe-se a corrigir quaisquer eventuais erros.



Exemplos


Para um país com o histórico monetário bizonho como o Brasil, é impressionante vermos um IPCA abaixo de 4 % anuais. Ainda mais intrigante é ver quando conseguimos superar os norte-americanos.


Mas esse fenômeno de ter índice de preços menor do que nas terras americanas, para alguns de nossos vizinhos, não foi algo exatamente fora do comum. Vamos a alguns exemplos.


  • O Peru é um exemplo clássico. A pequena economia latino-americana, por inúmeras vezes, viu um índice de preços menor do que os Estados Unidos.


Índice de preços americano (linha azul) vs. índice de preços peruano (linha laranja), agosto de 1995 a junho de 2022.



  • Não é por acaso que a meta de inflação do banco central peruano tenha o teto de 3 % há muitos anos (o centro é de 2 %). A situação melhorou desde que o país liberou o dólar americano para concorrer com o sólido sol peruano em 2000. Mesmo agora no turbulento governo Castillo, um dólar americano custa por volta de 3,9 sóis (e é uma moeda mais velha do que o real brasileiro, afinal o sol peruano nasceu em julho de 1991). Espertamente, Pedro renomeou o decano presidente Julio Velarde para o banco central (que está no cargo desde 7 de setembro de 2006).


  • O México já se aproximou mais do comportamento brasileiro. Todavia, nos últimos meses, o índice do país está melhor que o americano, o que pode ser ajudado pelo comportamento decente do peso mexicano ante o dólar (auxiliado pelo pragmatismo de AMLO).


  • Os bolivianos já estão habituados a um índice de preços bastante baixo desde que o dólar ganhou força mundial na era pós-2014. Um dos fatores é que, além de alguns subsídios a itens como derivados de petróleo, a moeda do país segue um arranjo ancorado ao dólar americano e o M1 do país foi um dos que menos subiram no mundo nos últimos anos. Antes mesmo da era Morales e o seu arranjo cambial mais ortodoxo, o país também passou por eventos de baixa no índice de preços ao consumidor.


  • O país equatoriano foi um destaque forte, graças à sua dolarização, o que amarra bastante a capacidade de se fazer uma política monetária expansionista. Já os colombianos tiveram alguns breves períodos de inflação menor do que nos EUA, tendo sido mais uma exceção, como no Brasil.



Existe sim uma chance de o Brasil passar, mas não será tão fácil


Ante fatos históricos recentes com situações diferentes e algumas similaridades, há sim uma chance de o IPCA ser menor do que o CPI.


Por um lado, pressões baixistas na inflação americana são coisas como a demanda mundial crescente pela moeda (que causa a sua valorização), a baixa nos combustíveis, o índice CRB e uma tendência baixista no crescimento da oferta monetária desde o início de 2021.


Por outro, o Brasil tem como benefícios, além da forte baixa nos combustíveis, fatores como uma contração monetária mais forte e, como os EUA, uma leve queda no índice CRB (ainda que no nosso caso, estejamos em alta histórica). Todavia, as eleições presidenciais irão causar grandes turbulências na taxa cambial, algo que já estamos começando a sentir agora.


Conforme já fiz neste artigo respondendo à coluna do Boris, estou aberto a receber respostas do Adolfo Sachsida e inclusive posso editar este artigo para tal, caso assim desejar, inclusive para me corrigir. E também peço, encarecidamente, que os leitores não saiam atacando ninguém por causa deste meu artigo.


Como dito, não dá para prever com exatidão e sim em apenas jogar as informações e assim, mostrar possibilidades e provocar reflexões. E você, o que acha dessa possibilidade do IPCA ficar menor que o CPI?



 

Imagem de abertura: Image by Gerd Altmann from Pixabay.

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