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Bolsonaro vs Trump: as semelhanças e diferenças

Atualizado: 19 de jul. de 2022

Harpia ou águia-americana?

Felipe Lange


Com tamanho sucesso de meu artigo falando sobre as medidas sendo feitas na parte econômica (a ponto de ter sido publicado no Instituto Ludwig von Mises Brasil), é realmente interessante compararmos os governos Bolsonaro e Trump (em respeito ao Português brasileiro e ao bom senso, usarei "governo" ao invés de "administração"), afinal tanto Donald Trump quanto Jair Bolsonaro representam, ao menos em parte, fatos como a questão do ambiente de negócios.


Como este artigo foi publicado antes do término do primeiro mandato (ou último mandato) de Bolsonaro, é bem possível que a comparação fique carecendo de precisão.


Vamos lá? Pois então.



1. Armamento civil


Ao passo que o governo brasileiro promoveu uma (tímida) flexibilização na posse de armas (o que de certa forma ajudou na queda da taxa de homicídios, ainda que há sim espaço para melhoras) , o governo Trump baniu os chamados bump stocks, um tipo de apetrecho para armas (desculpem-me, pouco sei sobre armas).



2. Privatizações


Nessa nem dá para comparar, pois, embora estatais como a United States Postal Service mostram evidências de sua necessidade de privatização (e em estatais tais como a Amtrak), a economia americana não está com centenas de estatais, como o caso brasileiro, nem há uma titânica estatal de petróleo tomando conta de quase todas as refinarias. Apesar dos obstáculos impostos em decisão pelo Supremo Tribunal Federal sobre a privatização de certas estatais (demandando autorização do Congresso Nacional), a Petrobras tem iniciado uma série de vendas e desinvestimentos em refinarias, gasodutos e mais, visando tirar a atual concentração de mercado que a poderosa estatal ainda possui sobre o setor de petróleo e gás (em um acordo feito com o Cade em julho de 2019). Como exemplos, temos a refinaria da Acelen, Gaspetro e a Vibra (antiga BR Distribuidora), assim como inúmeras concessões de projetos de infraestrutura. O destaque, todavia, é no setor ferroviário: com a nova lei que abre o mercado de ferrovias, teremos uma genuína privatização (ou seja, não é regime de concessão), com bilhões de investimentos já contratados para os próximos anos.



3. Reforma tributária


Donald Trump encaminhou e fez uma boa reforma tributária (e que foi aprovada no mesmo ano, 2017), que aumentou as deduções do imposto de renda e proporcionou um significativo corte de impostos corporativos, o que deixou a economia americana ainda mais pujante (não é por acaso que continua entre as economias desenvolvidas mais competitivas; imagino que, agora sob Biden, os eleitores devem estar com saudades dos anos Trump). Bolsonaro, por outro lado, não apenas não fez nenhuma reforma, como a proposta do governo é péssima e na prática aumenta a carga tributária (a nossa reforma tributária de 1964 fez exatamente isso). Nem queira ver as outras propostas de reforma tributária, pois você verá propostas que incluem a abolição de cédulas de R$ 50, R$ 100 e R$ 600 (sim, não estou brincando) até as que aumentam o imposto sobre os serviços (aquela aberração de isonomia, a igualdade para aumentar impostos, nunca para diminuir). Felizmente, isso não foi aprovado e, pelo contrário, a parte tributária boa foi justamente a diminuição de impostos (como vimos na redução do ICMS sobre combustíveis e energia, na Lei Complementar nº 194, de 23 de junho de 2022) em outros setores, sem tentar elaborar algum plano mirabolante para complicar mais as vidas dos brasileiros. Bolsonaro também tem zerado impostos sobre o setor de jogos eletrônicos (algo que nunca foi feito por nenhum governo, ao menos não que eu me lembre). Não é uma grande reforma, mas incentivar esse mercado, que é um dos mais lucrativos, inovadores e competitivos no mundo, trará bons frutos não apenas para os gamers, mas também para as veias que percorrem toda a economia. Alguém aqui se lembra do Jogo Justo?



4. Política monetária e moeda


Nesse ponto, tanto o Jerome Powell quanto o Roberto Campos Neto foram bastante parecidos (aí seria mais um artigo como "Campos Neto vs Powell: as semelhanças e diferenças"), ao menos no período 2020 - 2021. O crescimento do meio circulante (M1 no Brasil e M2² nos Estados Unidos) nesse ínterim foi bastante similar (por volta de 50 % em apenas um ano), com o diferencial de que Roberto Campos começou a aumentar os juros em março de 2021, ao passo que Powell iniciou o aumento em março de 2022, já sob Biden, tendo encerrado o governo Trump em uma postura bastante pombalista. Por outro lado, antes de 2020 - 2021, os agregados monetários americanos sofreram uma desaceleração em seu crescimento na era Trump (oscilando entre 1,12 % e 10,61 % anuais), algo que foi revertido somente no experimento de TMM em 2020 (além de eles terem bagunçado os gráficos com alterações metodológicas do M1 à partir de maio de 2020).


Variação do M1, mudança percentual anual, sazonalmente ajustado, semanalmente: 08/09/2007 - 15/03/2020. Board of Governors of the Federal Reserve System (US), M1 (DISCONTINUED) [M1], retrieved from FRED, Federal Reserve Bank of St. Louis; https://fred.stlouisfed.org/series/M1, July 15, 2022.



Apesar da queda, o comportamento do Fed foi mais pombalista até do que na era Bush, afinal a política monetária sofreu uma grande alteração após a crise de 2008.


No nosso caso, a variação percentual do M1 veio em uma baixa histórica, como nunca antes nesse País (ao menos na história do real brasileiro). Em um processo iniciado ainda em 2016, foram extintos aqueles fortes aumentos de mais de 10 % anuais, indo para taxas oscilando entre 0 e 7,5 %.


Variação percentual anual do M1, 01/01/2019 - 25/02/2019. Sistema Gerenciador de Séries Temporais, do Banco Central do Brasil.



Como o próprio gráfico mostra, todavia, houve um grande experimento de teoria monetária moderna no período 2020 - 2021 , cujos custos estamos pagando até agora.


Devido à greve de funcionários do banco central, não temos dados mais atuais do que os de 25 de fevereiro de 2022. Apesar disso, o banco central atualizou alguns dados nesse dia 8 de julho, inclusive os envolvendo o M1.


Ainda não dá para fazer gráficos, mas, por saldo de final de período (não há o diário), o M1 de março variou em - 0,21 % (em relação ao mesmo mês de 2021), ao passo que, em abril (o último dia exibido é o 27), a variação foi de - 3,58 % ante abril de 2021.


Em suma: o comportamento de 2021 em diante do banco central brasileiro está sendo essencialmente contracionista, em um nível que não vimos nem no período 2015 - 2016 e nem no período de 2002 - 2003.


Em termos de cumprimento de metas de inflação, o banco central brasileiro não fechou nenhum ano cumprindo o centro da meta, até o momento, diferente do banco central americano (que é de 2 % anuais), mesmo em um cenário caótico com pessoas sendo proibidas de trabalhar (no caso em 2020). Para sermos justos, o fato é que quase todos os bancos centrais estão tentando correr contra o tempo, após vários meses de muitos, muitos estímulos monetários nesses anormais tempos pós-2020. Em suma, a bomba que começou no governo Trump, agora está estourando no governo Biden.


Índice de preços, variação anual, janeiro de 2019 a junho de 2022, Brasil.



Índice de preços, variação anual, janeiro de 2017 a fevereiro de 2021, Estados Unidos.



Já em questão de moeda, tanto Donald Trump quanto Jair Bolsonaro simplesmente não falaram nada sobre, o que talvez tivesse sido mais prudente, afinal e se eles simplesmente defendessem moeda fraca por ignorância econômica? O mesmo pode se aplicar ao Steven Mnuchin, secretário do Tesouro. Já no caso de Paulo Guedes, no fim de 2019 até início de 2020, ele abertamente defendeu uma moeda fraca, o que foi um dos responsáveis pela forte desvalorização cambial ainda em 2019. Posteriormente acabou não falando mais sobre, no máximo falando que os juros altos estão sendo uma resposta adequada à carestia no Brasil (contrastando o Paulo Guedes de 2019).


Em termos práticos, o dólar americano se manteve relativamente forte no período Trump, ao passo que o real brasileiro ganhou volatilidade e passou por alguns momentos de valorização, este último principalmente no acumulado de 2022, graças à maior atratividade dos juros e pelo comportamento contracionista. Dessa forma, o real brasileiro tem se comportado relativamente bem, ante turbulências nos mercados e um dólar que não para de se valorizar no mundo (e internas, afinal é ano de eleição presidencial).


Índice DXY, 02/01/2017 - 22/02/2021.



Desempenho do real brasileiro ante iene japonês (amarelo), coroa sueca (roxo), euro (verde-água), libra esterlina (púrpura), dólar americano (azul) e franco suíço (marrom), 03/01/2019 - 15/07/2022.




5. Ambientalismo


Do jeito que vi algumas pessoas da área de Ciências Biológicas falando de Bolsonaro no tocante a isso, parece que ele iria transformar a Amazônia em um território americano e simplesmente fechar agências como o Ibama ou mesmo de extinguir o Ministério do Meio Ambiente.


Donald Trump, já no início do mandato, retirou os Estados Unidos do invasivo e utópico Acordo de Paris, tendo sido na prática o único país a sair do acordo (ainda que nem todos os signatários irão necessariamente cumprir as metas). As regulações ambientais realmente ainda fizeram estrago para os americanos (como no mundo todo) mas, até muito recentemente, o país tinha independência energética (e detalhe: sem buscar qualquer tipo de quimera desenvolvimentista getulista) e, mesmo com as reversões de Biden, os americanos continuam sendo uma potência na produção de petróleo, além de estarem exportando gás natural para os europeus.


O Brasil, por outro lado, ratificou o Acordo de Paris e o próprio Ricardo Salles, quando ainda ministro, disse que o País não sairia do acordo (e não saímos mesmo). Salles defendeu o etanol como combustível mais verde (essa eu vou deixar para você, leitor, decidir, pois eu não tenho a mínima ideia; no caso de carros elétricos, é sabido que eles não são exatamente verdes). Como ações relacionadas ao tema, destaque às concessões de parques nacionais e o programa Adote um Parque, visando atrair pessoas para preservarem a Amazônia. Ainda não chegamos ao patamar sueco, mas foi um bom caminho traçado. O atual código florestal brasileiro é um dos mais rígidos do mundo e, não por acaso, o País tem uma das maiores áreas preservadas do mundo (o que, obviamente, não quer dizer que não possamos melhorar³).



6. Finanças governamentais


Os americanos não veem um governo com austeridade fiscal desde Bill Clinton e seu falcão fiscal, o secretário do Tesouro Robert Rubin. Os gastos governamentais americanos, embora tenham caído até 2019, explodiram em 2020, chegando a consumir altíssimos 44 % do PIB.


Gastos governamentais, % do PIB, 1997 A 2020.



O fato é que tal fenômeno foi praticamente mundial, afinal uma queda do PIB (fruto da brincadeira do "fique em casa que a economia a gente vê depois") aumenta esse percentual.


O endividamento chegou a saltar para pornográficos 128,1 % do PIB no mesmo ano. Joe Biden, seu sucessor, só conseguiu piorar a encrenca, sendo especialmente mais grave porque o PIB americano voltou a crescer já em 2021, além da forte expansão monetária (que aumenta a quantidade de impostos coletadas pelo governo).


Dívida bruta (% do PIB), 1997 a 2021.



Essa foi a parte mais fraca de seu governo. A sorte é que como o país é ainda um local de estabilidade, então naturalmente ainda há inúmeras pessoas dispostas a emprestar dinheiro para o governo americano, o que não é o caso do Brasil.


Com os déficits, a explosão também se deu em 2020, seguindo trajetória parecida com o sucessor.


Orçamento nominal (% do PIB), 1997 a 2021.



Os gastos sofreram uma propulsão à partir de 2019, por fim recebendo um novo impulso após os estímulos fiscais.


Gastos governamentais, em bilhões de dólares, trimestral, primeiro trimestre de 2012 até primeiro trimestre de 2022.



Já para Bolsonaro, houve uma relativa austeridade nos primeiros anos do mandato, mas 2020 foi o ano em que a questão fiscal saiu do controle, quando os gastos explodiram: o déficit foi para R$ 1,015 trilhão (em 2019 havia sido de R$ 429,15 bilhões; de 5,9 % do PIB para 13,7 % do PIB ), ao passo que os gastos foram de R$ 3,191 trilhões em 2019 para R$ 4,127 trilhões no ano seguinte. Do mesmo jeito que nos Estados Unidos, por aqui também tivemos a festa do "fique em casa que a economia a gente vê depois", mas os efeitos deletérios dos gastos governamentais não se alteraram.


Déficit nominal, janeiro de 2019 a abril de 2022. Sistema Gerenciador de Séries Temporais, do Banco Central do Brasil.



Apesar disso, o governo tomou algumas medidas que podem sim ser apontadas como exemplo de austeridade (apesar da esquisita mudança de cálculos na PEC dos Precatórios), mesmo que de maneira tímida:

  • Congelou salários do funcionalismo em 2021 e não pretende dar aumentos em 2022 (pode-se falar do aumento do piso nacional dos professores, mas este é mais algo sendo relacionado aos governos municipais e estaduais do que ao federal);

  • Reduziu despesas com coisas desenvolvimentistas como o PAC (Programa para a Aceleração do Crescimento);

  • Extinção e fusão de ministérios, passando de 29 para 23 ministérios;

  • Reduziu a contratação de novos funcionários federais (além do trabalho remoto);

  • De 2018 para 2019, houve uma redução nos gastos totais na ordem de R$ 216,34 bilhões;


No ano seguinte, 2021, a situação fiscal do Brasil melhorou, tanto pela retomada econômica quanto pelo encerramento dos estímulos fiscais de 2020.


O déficit nominal foi a - 4,42 % do PIB, a dívida caiu de 89,3 % para 80,3 % do PIB, embora a dívida tenha subido em valores nominais.


Houve ainda a questão monetária, que foi abordada aqui.



7. Desburocratização e abertura comercial


Tanto o bilionário quanto o militar reformado melhoraram o ambiente de negócios. No caso americano, Donald Trump acabou com a bizarra neutralidade da rede e fez uma verdadeira limpeza em regulações (tendo superado Ronald Reagan). O ambiente de negócios, pela pontuação do Heritage Foundation, também melhorou.


O capitão aposentado encaminhou reformas importantes para a economia brasileira, indo de coisas de liberdade econômica até a atos como eliminação de normas regulamentadoras (NRs), a ponto de terem melhorado a pontuação do país em liberdade de negócios para 63,2 pontos (uma alta de 16 anos).


Trump, por outro lado, inventou que entrar em guerra comercial contra a China seria, de algum modo, benéfico para a economia, embarcando numa retórica mercantilista, embora bem longe do que tivemos nos anos Dilma.


Apesar de Jair Bolsonaro ter eliminado tarifas de importação (ou reduzido) de vários itens desde 2019 e estar fazendo boas coisas mesmo agora em 2022 (como a recente redução de impostos em importação em alguns gêneros alimentícios), a pontuação geral do país em liberdade comercial se degradou, com coisas como a elevação das tarifas sobre bicicletas e do leite em pó.



Apesar dos avanços, há sempre o que melhorar


Se na vida sempre temos essa frase em negrito percorrendo nossos neurônios, não seria diferente quando se trata de trazer reformas estruturais para a economia de uma determinada nação. Não importa a intensidade da medida de desburocratização, da reforma ou o que seja, nem de quem estiver encaminhando: sempre será bem-vinda.


Torçamos para que as reformas não parem de serem levadas adiante, não obstante todos os desafios institucionais e políticos.


O Brasil pode ser um país desenvolvido. Apenas basta o estado sair do caminho, cada vez mais.

 

Notas:


² Devido à alteração na metodologia dos agregados após maio de 2020, o M2 acabou se tornando algo de maior precisão de análise do que o M1.


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