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  • Foto do escritorFelipe Lange

Até Maduro reconhece que o socialismo é insustentável

Como não se lembrar de Lênin e da NEP?

Felipe Lange


Outrora um dos países mais ricos do mundo e um chamariz de imigrantes europeus e com uma população mais produtiva do que a americana, hoje a Venezuela vive o desastre completo do socialismo.


O país vinha sendo depredado por governos estatizantes há décadas, todavia, o Hugo Chávez acelerou o processo e o seu sucessor, Nicolás Maduro, conseguiu deixar os venezuelanos em situação ainda pior. A situação é tão vexatória que, em um país com as maiores reservas petrolíferas do mundo, os venezuelanos dependem agora do Irã para ter algo como... gasolina.


A despeito de entusiasmos de vários esquerdistas sobre o suposto sucesso do modelo socialista venezuelano, o próprio Nicolás Maduro parece estar reconhecendo o desastre que ele ajudou a criar.


Já nesse ano de 2021, Maduro começou a flexibilizar o uso do dólar americano no país, permitindo certas transações na moeda dos Estados Unidos, assim como os bancos podem agora receber depósitos no dinheiro americano. Não é que não haviam dólares circulando antes: os venezuelanos já estavam fugindo da moeda doméstica há bastante tempo, no setor informal que ainda respirava (e que respira por toda a região da América Latina). Além da tradicional fuga ao dólar, já há venezuelanos aceitando também o uso de reais e, há alguns anos, utilizando criptomoedas como a Nano e o Bitcoin (já há até supermercado aceitando criptomoedas).


Depois de centenas de estatizações acumuladas (principalmente durante o governo Chávez) , o governo também começou a permitir algum gerenciamento privado em companhias de setores diversos, incluindo o alimentício.


Em entrevista recente à Bloomberg (desse mês de junho), Maduro chama a atenção nesse trecho abaixo:


"Se a Venezuela não pode produzir petróleo e vendê-lo, não pode produzir e vender seu ouro, não pode produzir e vender sua bauxita, não pode produzir ferro, etc., e não pode gerar receita no mercado internacional, como é que deveria pagar aos detentores de títulos venezuelanos?"



Sim: você (com exceção dos cidadãos dos países que impuseram sanções ao país) pode comprar títulos do governo venezuelano (inclusive de suas estatais, como a PDVSA, Petróleos de Venezuela). Só que, como o bolívar não tem nem credibilidade doméstica e muito menos internacional, não há outra escolha senão o governo bolivariano se endividar na moeda americana. As reservas internacionais do país também estão evaporando (nos menores valores desde novembro de 1988). Hiperinflações não duram para sempre. Como em qualquer título governamental, o governo usa o dinheiro de impostos para pagar os credores. Maduro acabou de descobrir um problema contábil. Com as sanções impostas, o governo ficou com menos financiadores estrangeiros para seus títulos. Dado o fato de que a economia foi quase que estatizada por completo, sobram então menos dólares para importar bens e serviços básicos.


Ainda, segundo a mesma entrevista, o governo já adotou alguns elementos de capitalismo (ainda que bastante tímidos): aboliu controles de preços (os supermercados voltaram a ficar cheios) e no mercado de câmbio, tirou restrições nas importações e criou incentivos e garantias para o investimento privado e finalmente deixou que os suprimentos da World Food Programme chegassem para auxiliar os habitantes famintos. As reformas foram conduzidas pela vice-presidente Delcy Rodriguez que, por sua vez, é aconselhada por Patricio Rivera, este ex-ministro da Economia no Equador (passou por alguns anos durante o governo Rafael Correa).


O fato de o Maduro estar tomando essas medidas não indica de que ele defenda o livre mercado e sim de que o seu governo já está em colapso e a sua fonte de recursos está cada vez mais ameaçada e, dependendo das exigências dos governos que impuseram as sanções, ele pode continuar no mesmo caminho.


Entretanto, ainda que ele faça grandes reformas econômicas, o país continuará tendo como um de seus traumas uma instabilidade política e institucional, um histórico recente de calotes e, pior, de centenas de estatizações, o que irá trazer aquilo que é chamado pelos austríacos de incerteza gerada pelo regime. Conforme cunhado neste artigo de Leandro Roque:


"Essa questão da confiança, da previsibilidade e das expectativas (positivas ou negativas) geradas por um governo é tão essencial, que os economistas seguidores da Escola Austríaca cunharam o termo "Incerteza Gerada pelo Regime" para explicar como o governo pode destruir uma economia — afugentando investimentos produtivos — ao simplesmente gerar incertezas políticas e jurídicas.


Um dos principais motores do investimento é a confiança: poupadores, investidores e empreendedores arriscam seu capital porque esperam obter um retorno. Mas se o estado cria um ambiente de incerteza econômica e institucional, fazendo com que não haja nenhuma confiança de que este possível retorno seja realmente alcançável, então os investimentos simplesmente não ocorrem. Quem vai ser louco de se arriscar?

Quando a confiança na estabilidade e na previsibilidade do cenário político, jurídico e institucional se esvai, os investimentos de longo prazo desabam. E com ele vão juntos os empregos, os salários, o bem-estar e a economia como um todo."



Para piorar a encrenca, nada impede que o próprio Maduro acabe revertendo essas tímidas liberalizações, ou mesmo que tais reformas não sejam deterioradas pelos possíveis sucessores.


Então, não há nada garantindo de que ele irá dar continuidade às medidas econômicas, muito menos que, caso o governo respeite essas reformas, o país também de repente se torne uma democracia ao estilo ocidental. Fosse isso uma garantia simples, a China não estaria ainda com o mesmo Politburo desde outubro de 1949.


Caso continuar, essas tímidas medidas pró-mercado lembrarão as reformas feitas na Rússia após o colapso da União Soviética. Pelo menos os russos não precisam mais se preocupar com cartões de racionamento.



 

Imagem de abertura: foto tirada por este autor, sob licença Attribution-NonCommercial-ShareAlike 2.0 Generic (CC BY-NC-SA 2.0).


 

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