Lawrence W. Reed
Imagine um lugar onde os preços de quase tudo se alteram semanalmente - e sempre para cima. O café sobe 50 % em dois meses, enquanto um hambúrguer do McDonald’s mais do que dobra. Os preços dos quartos de hotel aumentaram 110 % em apenas 30 dias. Funcionários de supermercados passam metade do tempo nas prateleiras - substituindo etiquetas de preços antigos por novos. Os cardápios dos restaurantes se desgastam com o frequente uso de borracha para apagar os preços escritos em lápis. As taxas de juros para um empréstimo bancário de um mês - 25 % - são mais altas do que os americanos pagam com seus cartões de crédito em um ano.
Este é o Brasil, um gigante sul-americano dominado por uma inflação galopante que ameaça afundar sua economia e sua democracia nascente.
Por dez dias em abril de 1987, examinei a hiperinflação no vasto, belo e infestado banho de vapor do Brasil que conhecemos como a região amazônica. Longe das cidades monstruosas do sul do país (só São Paulo tem uma população de quase 15 milhões), conversei com dezenas de pessoas em três cidades: Belém, uma cidade portuária perto da foz do Amazonas com uma população de um milhão; Santarém, uma cidade de cerca de 100.000 habitantes, 482,80 quilômetros rio acima; e Alter do Chão, um vilarejo de cerca de 1.000 pessoas no rio Tapajós, a cerca de 48 quilômetros de onde o azul-esverdeado Tapajós deságua no lamacento Amazonas em Santarém. [1]
A floresta amazônica é um lugar exótico para qualquer atividade, mas pode ser desconfortável para quem está acostumado a um clima seco. A água engrossa o ar e encharca a terra em superabundância.
Um quinto de toda a água doce do planeta flui através da poderosa Amazônia. Ao entrar no Atlântico, ele afasta a água salgada do oceano por mais de 160 quilômetros.
Os navios oceânicos podem navegar por 3701 quilômetros rio acima, ao longo de 6437,37 quilômetros. Mais de 1.500 espécies de peixes habitam a Amazônia e seus 1.000 afluentes, em uma bacia que drena incríveis 2,5 milhões de quilômetros quadrados de território principalmente de selva.
Mas a água não é a única coisa que esta nação de 135 milhões* parece ter mais do que suficiente. Também está se afogando no papel-moeda, o que explica por que o valor das coisas despenca a cada rodada de aumento de preços. O governo do presidente José Sarney, malfadado desde o início, está recebendo a maior parte da culpa.
* Nota do editor: 207 milhões em 2017
Em 1985, 21 anos de regime militar terminaram com a eleição de Tancredo Neves à presidência. Antes de assumir o cargo, porém, Neves morreu.
Seu companheiro de chapa vice-presidencial era Sarney, um poeta e político de pouca importância que de repente se viu lutando com os problemas econômicos acumulados que os militares haviam abandonado voluntariamente. Ele conseguiu piorá-los ao aumentar os gastos públicos e imprimir mais dinheiro para ajudar a pagar os 50 % do produto interno bruto do Brasil que o governo estava consumindo.
No início de 1986, a inflação no Brasil estava em um ritmo anual de 400 %. Em fevereiro daquele ano, Sarney surpreendeu o país com um anúncio dramático: para acabar com a inflação, ele estava congelando salários e preços e reformando a moeda. Três zeros foram retirados do antigo "cruzeiro" e uma nova moeda, o "cruzado", foi introduzida.
Enquanto o congelamento estava em vigor, o governo inflou os gastos do setor público, fomentou um déficit orçamentário enorme e triplicou a oferta de moeda.
Sarney "delegou" as donas de casa do país para informar sobre os violadores de preços e enviou enxames de homens armados para fazendas de gado para forçar os proprietários a vender sua carne a preços fixos. Os produtos desapareceram das prateleiras das lojas à medida que os mercados negros floresciam. Era como tampar um bule fervente ao mesmo tempo aumentar o fogo.
A coisa toda explodiu em fevereiro de 1987, quando o presidente foi forçado a suspender os controles e, em um movimento que causou ondas de choque em toda a comunidade financeira mundial, suspendeu o pagamento de juros sobre a maior parte da dívida externa de US$ 110 bilhões do Brasil.
A economia parece estar se inclinando para um abismo, sem ninguém saber o que o futuro trará. A prestigiosa revista financeira The Economist (21 de fevereiro de 1987) colocou desta forma:
"A economia do Brasil está indo por água abaixo tão rápido que pode pular dos trilhos."
Conversando com consumidores e fornecedores no famoso mercado Ver-o-peso de Belém, descobri o ceticismo generalizado sobre os números da inflação do governo. Em vez de proclamar os 400 % dos funcionários, o consenso na rua é que a taxa real é muito mais alta.
"As roupas que eu gostaria de comprar custam três vezes o valor do mês passado", queixou-se uma mulher com amargura. E, como todas as outras pessoas com quem falei, seus salários não acompanharam o ritmo, apesar da prática generalizada de "indexar" os salários à taxa de inflação.
"Os negócios estão em queda", lamentou um vendedor de redes, "e com as taxas de juros de 25 % ao mês agora, não posso mais pedir emprestado". Ele culpou o colapso do poder de compra de seus clientes pela perda de negócios.
"Ninguém poupa e ninguém planeja nada além de hoje", outro cliente me disse. "Assim que você ganha cruzados, você se livra deles, seja por dólares ou por algo que seja real".
A inflação parece ter acentuado a divisão de classes. Uma reclamação comum é que "os não tão ricos estão ficando mais pobres, enquanto os ricos se mantêm ou ficam mais ricos".
"Os ricos podem encontrar maneiras de se proteger, mas a inflação está fazendo aos pobres e à classe média o que as piranhas da Amazônia fazem a uma vaca na água", disse um vendedor de cestas de palha. Piranhas são aqueles peixes carnívoros com dentes de serra recém-afiada e dispostos a se unir. Cardumes deles costumam limpar uma vaca viva até os ossos em meia hora.
Conflitos trabalhistas e distúrbios civis parecem estar aumentando como consequência da deterioração da economia. Alguns moradores falaram de motim nas ferrovias por causa de uma greve ferroviária. Os estivadores ameaçam fechar as cidades portuárias do Brasil. Nos bancos de São Paulo, ocorrem em média 13 agressões por dia contra bancários. Os rumores de um golpe militar aumentam em todo o país.
Em Santarém, reuni informações detalhadas sobre os preços de várias dezenas de produtos. "O que vendeu por um mês atrás e qual é o seu preço hoje?" Eu perguntei a muitos dos vendedores. Aqui está um exemplo do que descobri:
"Glymiton", um suplemento vitamínico líquido popular: de 24 a 60 cruzados (cerca de 26 cruzados equivalem a $ 1); um rolo de barbante de um quilo: de 111 a 390 cruzados; uma xícara de água mineral: de 2 a 5; um carretel de linha de pesca: de 60 a 90; e um quilo de carne: de 20 a 70.
Os empresários reclamam da redução dos estoques e da escassez por conta da evaporação do crédito.
"Costumávamos comprar suprimentos e pagar por eles 30 dias depois", disse-me o proprietário de uma loja de ferragens. "Agora", disse ele, "todo mundo quer dinheiro adiantado".
"É irônico", disse um gerente de restaurante, "que meus fornecedores exijam pagamento imediato de mim neste papel sem valor, apenas para dar a volta por cima e se livrar dele eles mesmos."
Na Fábrica de Redes Aparecida, em Santarém, são feitas as melhores redes da região. A automação ainda não chegou a este lugar. As redes são tecidas à mão em gigantescos teares de madeira por artesãos que trabalham na velocidade da luz sob o barulho intenso de naves rápidas. Os lucros das vendas são doados à Igreja Católica para apoiar programas de bem-estar social. Perguntei ao gerente como a inflação afetou o negócio e ouvi uma história familiar.
"Fomos duramente atingidos", disse o gerente. "O turismo caiu e até mesmo a população local não está mais comprando como antes. Há pessoas necessitadas que dependem do nosso sucesso aqui e que terão que fazer com menos este ano. É triste, mas o que mais podemos fazer? "
Quando perguntados para onde as coisas estão indo a partir daqui, todos expressaram incerteza total ou pessimismo absoluto.
"Esses problemas representam a pior crise da nossa memória. Não temos como saber o que vem pela frente ", disse um gerente de hotel.
Em Alter do Chão, várias pessoas sugeriram que a principal causa da inflação era a enorme dívida externa do governo e que a solução era o Brasil ir além da suspensão do pagamento de juros por Sarney e cancelar a dívida externa unilateral e inteiramente.
Alguns culparam os Estados Unidos por "sugarem" o Brasil para o dilema da dívida, em primeiro lugar, mas o sentimento antiamericano não parecia fazer parte do pensamento das pessoas em qualquer lugar que eu viajasse.
Uma das poucas empresas em que a inflação pode estar ajudando é a prospecção de ouro. Na verdade, o Brasil está no meio de uma das maiores corridas do ouro da história.
Quase meio milhão de "garimpeiros" - indivíduos que trabalham com pouco mais do que uma picareta e uma pá ou uma panela à beira do rio - retiraram quase 80 toneladas de ouro da região amazônica no ano passado. O salário mínimo brasileiro de US$ 70 por mês não os afeta, pois eles ganham o que quer com o ouro que encontram para eles, e nenhum número insignificante fez fortuna.
Conversei com um dos funcionários da SUDAM, órgão do governo que fiscaliza o desenvolvimento da Amazônia, sobre as descobertas de ouro. A descoberta mais rica, em um lugar conhecido como Serra Pelada, "pode resolver o problema da dívida do Brasil um dia", confidenciou. "Se o ouro não fizer isso por nós, talvez o petróleo faça; achamos que estamos sentados em um vasto mar de petróleo aqui na Amazônia. "
É difícil imaginar ouro ou petróleo suficiente para resgatar o Brasil de suas dificuldades atuais a tempo de evitar uma revolta. Esta não é uma economia com muito tempo para trabalhar em seus problemas. O espectro do agravamento da inflação, da depressão e da turbulência política claramente o encara de frente.
Infelizmente, o governo brasileiro parece ter aprendido pouco com os últimos dois anos de caos. Em junho de 1987, anunciou um novo programa que inclui outra rodada de controles de salários e preços. Naquele mesmo mês, a oferta monetária aumentou 28,8 %.
Esta não é a primeira hiperinflação que o mundo testemunhou. Também não é a primeira que o Brasil teve. Mas vê-lo em primeira mão e sentir a dor e a confusão que ele engendra nos faz pensar por que isso tem que acontecer. Certamente uma das lições mais duradouras da experiência econômica é que afogar uma nação no papel-moeda sempre destrói a moeda e a economia junto com ela. É uma lição que o Brasil está aprendendo agora da maneira mais dolorosa.
Notas:
[1] O tradutor alterou as medições de milhas para quilômetros, para adaptar ao sistema métrico brasileiro.
Artigo originalmente publicado no Foundation for Economic Education, no dia 1 º de janeiro de 1988, podendo ser conferido aqui.
Infelizmente não encontrei a fonte original da propaganda do Chevrolet Opala. A fonte da imagem está aqui.
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