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Banco Central acordou?

Dólar está em contínua queda há algumas semanas

Felipe Lange


O dólar americano está em contínua queda desde meados de 13 de maio. Chegando a quase R$ 5,88 naquele dia, no momento do fim da manhã deste dia 26, está por volta de R$ 5,34, menores valores desde 29 de abril.


Gráfico que vai de 06/02/2020 até 11:55h do dia 26/02/2020.


Isso me causou tamanho espanto que cheguei até publicar em meu Instagram pessoal (no Stories), embora eu ache que grande parte das pessoas que veem meus posts quase não se importem com isso (mas continuam vendo).


Bolsonaro não defendeu moeda forte (ao contrário do socialista AMLO), muito menos o Paulo Guedes ou o Roberto Campos Neto.


Por que, afinal, isso está acontecendo?

Vamos separar este curto artigo em duas partes.



Motivos que estão fora do controle do Banco Central:


(1) O pânico gerado pelo SARS-CoV-2 causou uma maior demanda mundial pelo dólar americano (embora o índice DXY tenha se alterado pouco). Isso começou logo após o início da segunda metade de fevereiro. As commodities, precificadas em dólar, desabaram.


Como já dito outras vezes, as commodities são um outro mensurador crucial da força do dólar. O pânico gerado pelo vírus SARS-CoV-2 fez também que houvesse a chamada fuga para a segurança, quando os investidores fogem para o dólar.


Se as commodities estão caras, isso significa que o dólar está fraco. E vice-versa.


Preços das commodities em dólar, de 01/01/2020 até 25/05/2020.


O gráfico abaixo compara a cotação de de dólar para real (linha azul), dólar para peso mexicano (linha vermelha), dólar para peso chileno (linha laranja), dólar para peso colombiano (linha azul), dólar para gourde haitiano (linha amarela), dólar para peso uruguaio (roxo mais escuro) e dólar para sol peruano (roxo mais claro). O Brasil sofreu junto com outros países a desvalorização. O que mudou foi apenas a intensidade.


Cotação cambial das principais economias da América do Sul (coloquei o gourde haitiano só como curiosidade), de 01/01/2020 até 24/05/2020. Note em como o sol peruano oscilou pouco.


Só evitei colocar o peso argentino pois os artistas circenses voltaram a controlar o câmbio, com o ressurgimento do câmbio paralelo, assim como o bolívar venezuelano (que não dá nem para considerar sequer uma porcaria de moeda, pois ali já é um estágio de escambo). O gourde haitiano está sob um arranjo de câmbio atrelado (e também é permitida a circulação do dólar americano, o que deve explicar essa desvalorização bem menor), por isso ele oscilou bem menos. O sol peruano sofre concorrência do dólar americano, que pode ser usado livremente no país.


O otimismo dos investidores, entretanto, inverteu essa tendência e fez com que a demanda pelo dólar tenha caído, ainda que de maneira discreta, causado pela reabertura de algumas das principais economias do mundo. Assim, a demanda pelo dólar caiu, causando a sua desvalorização, ainda que até o momento a moeda esteja forte.


Agora vamos para os motivos internos.



Motivos que estão no controle do Banco Central e outros setores do governo:



(1) Os investidores esperavam algo pior com a reunião ministerial que foi liberada dias atrás pelo STF. Não apenas as más expectativas não foram atendidas, como na reunião o Paulo Guedes simplesmente cortou o plano desenvolvimentista do Braga Netto, ali mesmo, e Bolsonaro já sinalizou que não deve tirar Guedes do Ministério, ao menos por enquanto. Mais que isso, o Bolsonaro ali defendeu abertamente o livre mercado e só teve sua popularidade aumentada. A oposição ficou apavorada (e também até houve aumento de rixa entre pessoas dentro do movimento austro-libertário brasileiro). O trecho do vídeo do Bolsonaro repercutiu até entre os argentinos. É fato que Jair Bolsonaro tem como principal ideologia o coletivismo e o positivismo (assim como a ala militar), mas só isso já foi o bastante.


(2) A postura do próprio Banco Central. Primeiro, uma sinalização sutil, do dia 20/05/2020, do próprio presidente Roberto Campos Neto, de que o Banco pode subir a taxa SELIC. Dias depois, em 22/05/2020, o diretor Fabio Kanczuk dá outro sinal de que pode intervir no câmbio para evitar uma "desvalorização excessiva". Mas como assim? De novo, o fantasma das commodities.


Preço das commodities em reais, de fim de 2015 até 25/05/2020.


O preço das commodities em reais voltou a subir aos mesmos patamares de começo de março. Só que no começo de março, o câmbio não havia chegado nem a R$ 5. Em dólares, as commodities voltaram a níveis de perto do dia 15 do mesmo mês. Se as commodities encarecem em dólares, e encarecem também em reais, e com um câmbio ainda desvalorizado, isso inevitavelmente irá se refletir na inflação de preços. Atualmente o Banco Central está se guiando apenas na meta de inflação, alta, que é de 4% ao ano. Aliás, mais exatamente desde 01/01/1999, quando acabou o câmbio atrelado, que surgiria o tripé macroeconômico: câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário. Então, o Banco Central ao combater a inflação acima da meta, manipula os juros pela taxa SELIC, nesse caso aumentando a taxa, assim impedindo a expansão monetária.


Gráfico histórico dos preços das commodities, de fevereiro de 1995 até abril de 2020.


Como o cenário brasileiro é de bancos estatais ainda com mãos amarradas pelo menos desde meados de 2015 (que é o que estavam causando inflação alta no governo Dilma, apesar das altas dos juros) e, agora, com um cenário de choque de oferta e demanda graças aos bloqueios impostos pelos governantes, a tendência é de deflação de preços, ao menos no curto prazo, para os próximos meses. É por esse motivo que o IPCA acumulado está tão baixo, apesar da moeda bastante desvalorizada em relação ao dólar. O Banco Central é fiel apenas à meta, não importando o caminho. Se as commodities continuarem encarecendo, consequentemente o BC será obrigado a aumentar novamente a SELIC, para debelar a carestia. Só que o BC também não pode deixar que a meta de inflação fique excessivamente abaixo dos 4%, pois a instituição é sensível às críticas da grande imprensa (que por algum motivo obscuro, acha bom que os preços subam continuamente).


Nos meses de março e abril, já tivemos deflação de preços em vários setores. Ao contrário do que muita gente da mídia afirma, deflação de preços é algo bom, ainda mais crucial em tempos tão difíceis como os de agora, com pessoas agonizando com desemprego, salários reduzidos e capital dilapidado. Não apenas é anti-econômico como, também, defender inflação de preços nesses tempos é ainda mais anti-pobre. Você que está desempregado ou teve salário reduzido: prefere que os preços das coisas do supermercado e dos combustíveis fiquem mais baratos ou mais caros?


Vale lembrar que o que causou a carestia no fim de 2019 foi a desvalorização cambial junto com o encarecimento das commodities.


Comparemos agora os preços das commodities em real e dólar e a taxa de câmbio, pegando o período de 1º de julho de 2019 até o dia de hoje (26/05/2020).


- No dia 1º de julho, as commodities estavam custando, em reais, R$ 695,68. Hoje, mesmo após o aumento recente, R$ 703,51.


- Em dólares, as commodities estavam custando US$ 181,13. Hoje, custam US$ 131,62.


- Agora, em taxa cambial, um dólar custava R$ 3,82. Hoje, R$ 5,34.


Podemos concluir que, ao passo que o dólar encareceu 39,79% em reais, as commodities em reais encareceram 1,22% e em dólares baratearam 27,33%. Lembrem-se que os preços das commodities irão englobar matérias-primas como gêneros agrícolas, assim como metais, que são insumos que afetam diretamente toda a economia, assim atingindo de maneira mais direta os custos do que o dólar. Toda a cadeia de bens e serviços é afetada pelas commodities. Sim, nós comemos dólar e commodities (neste último caso, no sentido literal, já que englobam carne bovina, açúcar, entre outras coisas). No governo Lula, tivemos um cenário de dólar barato mas também um real forte até meados de 2011, o que pode ser comprovado pelo fato de que as commodities também caíram de preço em reais, embora em dólares elas tenham encarecido, devido à desvalorização do dólar. No governo Temer, tivemos um cenário já de dólar forte mas também com um real forte, tanto é que o real só foi se desvalorizar com as rodadas de reduções na SELIC, às vésperas de 2018 e no começo do ano seguinte, ao mesmo tempo em que as taxas de juros dos EUA voltaram a subir e, por consequência, ficaram mais atraentes para investidores (e que provocou a greve dos caminhoneiros). Se, no governo Lula, houvesse uma tomada puramente supply-side (pois ele não fez nenhuma reforma econômica) e os bancos estatais não estivessem expandindo crédito (ou melhor, nem existissem), o dólar se aproximaria facilmente daquela saudosa taxa de quase 1:1, como houve no Plano Real, de 1994 a 1998.


O que estamos vivenciando agora, por ora, é um real fraco amenizado pelos baixos preços das commodities (mesmo porque o real continua sendo, até agora, uma das moedas que mais se desvalorizaram neste ano) e um dólar mundialmente forte. O IGP-M, índice de preços que sofre maior influência do dólar, em abril, ficou em 6,7%, em valores acumulados dos últimos 12 meses, ou seja, de abril do ano passado até abril deste ano, esse índice subiu 6,7%, muito mais do que o IPCA.


Ou seja, estamos vendo uma postura mais "águia" do Banco Central (denominado como hawkish), ou seja, preocupado em aumentar os juros, consequentemente em controlar a expansão da oferta monetária. Não, ainda não é uma postura do Meirelles, mas está no caminho.


Conclusão


Estamos agora vivendo um fenômeno inédito na história do mundo, com um choque de demanda e oferta, causado pelos lockdowns e quarentenas impostos em vários países do mundo. Apesar de rodadas e mais rodadas de afrouxamento quantitativo, o dólar continua tendo alta demanda mundial e o Trump, por sinal, terá vida fácil para se reeleger.


O mesmo fenômeno está acontecendo na história do real, com taxa de juros nominal bem abaixo da meta de inflação, o que consequentemente faz com que o Banco Central abaixe a SELIC, não apenas por ideologia, mas também porque, desde que a meta ali se mantenha, então pode abaixar os juros de maneira artificialmente e sem provocar uma inflação de preços em um curto espaço de tempo, já que o cenário recessivo, de queda de demanda e de renda, não permite que os empreendedores possam repassar integralmente os seus preços, mesmo que os seus custos tenham aumentado com a desvalorização cambial, desde que os preços das commodities não subam de maneira acentuada a ponto de provocar carestia (já que não temos mais os bancos estatais apavorando). Até o momento, o IPCA ainda não explodindo, é assim que o Banco Central irá se manter. Os empregadores podem ser asfixiados pelos crescentes custos de produção com a desvalorização cambial, mas desde que eles não sejam repassados para o consumidor final, essa não é a preocupação dos burocratas do BCB.


É claro que, se tratando de Economia, são inúmeras variáveis e, portanto, ao se trabalhar com tendências, nada funciona de maneira exata. Essa é uma das belezas da Ciência Econômica.


Algo que faria rapidamente a nossa moeda se apreciar seria o Banco Central reduzir a meta de inflação para algo mais civilizado, como 3% no próprio México, ou 2% no Peru. Isso nos levaria à taxas de juros mais realistas, consequentemente acabando com essa distorção de agora.


Previ, em fevereiro desde ano, de que a desvalorização forte no câmbio poderia provocar uma forte carestia, mas eu esqueci de mencionar que isso eu estava parcialmente errado: não apenas o dólar americano mas também os preços das commodities (em reais) também influenciam nos índices de preços como o IPCA. E não sabia de que veríamos tamanhas "inovações" em matérias de intervencionismo na vida privada e econômica da população.


Em suma, prestem atenção nos preços das commodities, nas falas à imprensa dos burocratas do Banco Central, do Paulo Guedes e nas ações concretas do Bolsonaro.


Esperemos que essa trajetória de valorização do real perante o dólar continue e, nem Paulo Guedes (que na prática é quem manda no Banco Central), nem Bolsonaro, atrapalhem esse processo.


 

Nota do editor: Hoje, no dia 27/05/2020, continuamos com contínua queda na cotação do dólar. Agora está por volta de R$ 5,27.

 

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