Felipe Lange
Preste atenção nessa foto de abertura. Voltaremos à ela posteriormente.
Depois de ter voltado da Flórida para o Brasil (cujos motivos não serão abordados aqui; mas eu adianto que não é por causa de alguma dívida de conta de hospital ou mesmo do Trump, é pessoal mesmo) fiquei ainda mais chato do que antes. Finalmente entendera, de maneira mais detalhada, de que o Brasil era mais pobre do que imaginava. Tudo era mais simples..., mas uma coisa que me chamou a atenção é que a qualidade dos produtos vendidos no Brasil é notoriamente inferior. Talvez essa exceção seja na culinária pois, apesar dos produtos desse segmento serem inferiores no Brasil, parece que eu estava gostando mais das coisas daqui (como arroz e feijão) ... mas isso é uma coisa meramente emocional, eu acho. Mas deve haver outros fatores. O leite de amêndoas daqui (lá eu tomava também), além de ser infinitamente mais caro (por favor, não faça "conversão burra"¹), parece ter sido adulterado (há quem fale que os leites brasileiros são adulterados, o que eu não posso confirmar), um negócio algo ralo e sem viscosidade. Nem preciso dizer das ruas e calçadas extremamente degradadas, medicamentos inferiores (e absurdamente mais burocráticos de se conseguir), combustíveis...
Minha avó falecida me dizia de que "as coisas boas eles mandam tudo para fora". Parece algo do senso comum e que o seu amigo do posto talvez pudesse falar, mas é um fato: os produtos exportados para o estrangeiro são sim, superiores. Isso demonstra, antes de tudo, de que a indústria brasileira é plenamente capaz de oferecer produtos de qualidade.
Talvez seus pais possam ter te falado de que durante a vida teremos desconfortos e algumas adaptações. Só que isso já muda quando o assunto é protecionismo. Todo o setor industrial, agropecuário e afins merece ser fartamente subsidiado não apenas por tarifas, mas também por subsídios diretos para aqueles programas bilionários. Eles não podem se adaptar para mudanças. Precisam ser mimados da pior maneira possível. Um filho mimado pode prejudicar a si próprio e alguns outros (e que pelo menos não está tomando dinheiro de impostos), agora todo um setor mimado por um aparato estatal prejudica toda a sociedade.
Eu já sabia, há algum tempo, de que os carros brasileiros em sua maioria são porcarias caras. Mas eu percebi que uma parte deles era exportada. E, dado de que os carros brasileiros geralmente são latrinas sobre rodas e uma parte exportada vai para países vizinhos ainda em desenvolvimento, que carros então são ou foram exportados para Europa e América do Norte?
E então eu me dei conta de que esses carros eram melhores e disponibilizados em opções inexistentes para os pobres brasileiros e demais residentes na Terra de Santa Cruz.
Adiante serão demonstrados alguns outros exemplos, além dos carros.
Preste atenção na foto de abertura. Você já deve ter visto várias Fiorinos por aí rodando, apesar de tantas dificuldades impostas pelo estado (não apenas nós sofremos, mas os veículos também).
O próprio fato de o Uno ter surgido no Brasil sem atrasos com relação ao resto do mundo já fora um milagre (em 1984), em plena década de hiperinflação e protecionismo (maior do que hoje, como se nos tempos atuais essa inflação já não fosse uma aberração). Depois de alguns anos de produção, o Uno europeu foi reformulado de um jeito, e o brasileiro de outro (e mais tardio).
E então na década de 90, essa Fiorino da foto na verdade é a Fiorino brasileira. Como assim? Por que fariam isso? Acalme-se. Não se sabe ao certo quando as exportações começaram do modelo em específico, mas à partir de 1987, os veículos da linha Uno (Prêmio e Elba, sempre com quatro e cinco portas, respectivamente) foram exportados para a Itália, até hoje o principal mercado da marca (além de Brasil e Turquia).
Todos esses modelos acima (exceto o próprio Uno) possuíam a opção que nunca tivemos: um motor Diesel 1,7-litro de 63 cv. Essa maldição de proibir carros à Diesel é antiga, o que foi imposta através de uma portaria em 1976, na qual é proibida a venda, registro e circulação de veículos movidos ao óleo. Assim sendo, essa restrição fica apenas aos mais ricos, que então podem desfilar em veículos caros que usam o combustível (Hilux SW4, utilitários Land Rover, etc.). Há algumas brechas (como por exemplo no próprio Jeep Renegade), mas mesmo assim a grande massa da população fica longe de carros mais eficientes (embora hoje haja alguma histeria ambientalista na Europa que queira restringir esses bons carros à combustão). Ainda pior que isso é que, não bastando apenas os subsídios que já existiam, eles foram estendidos graças à greve dos caminhoneiros. Tudo sustentado por nós. Uma maravilha.
Mas, além dessa humilhação, há ainda um outro fato: reparou no volante da foto? Diferente, não é? Sim, esse volante possui esse formato pelo fato de existir bolsa inflável. Ou seja, além da Fiorino sair com um motor inexistente aqui, ainda podia vir com airbag (embora nem todas tenham). Além disso, possuem freios com sistema antitravamento (ABS). Eles sempre vinham também com repetidores laterais de direção, neste caso, entretanto, sendo por uma legislação europeia antiga. No Brasil, na década de 90, ficou relativamente comum a presença desses repetidores em carros paupérrimos (apesar de serem facultativas; basta ver os primeiros modelos nacionais Ka e Fiesta), mas logo depois eles acabaram sendo retirados.
Outro caso ainda mais intrigante foi o do Golf. Por alguns anos, o Volkswagen Golf de quarta geração foi exportado para os americanos. E como era a especificação? Ao contrário do vendido para os residentes no Brasil, todos já vinham com quatro bolsas infláveis e freios ABS. Todos possuíam a opção de motor 2,0-litros ou o 1,8 turbo (que aqui foi usado somente no Audi A3 e no Golf GTI). No Golf nacional vendido para cá, a cara de pau era tamanha que, no lugar do escrito "AIRBAG" na parte direita do painel onde estaria prevista a colocação da bolsa, ficava escrito "GOLF" (bolsas infláveis e ABS eram opcionais; as laterais sequer existiam como opção). Isso tanto para a versão com motor 1,6-litro quanto para com motor 2,0-litros. Antes de ser nacionalizado, o modelo alemão chegava a vir mais dotado de segurança (quando era importado), mas logo depois de nacionalizado, foi "depenado". Dado de que o Real afundou com o colapso do câmbio atrelado, o setor automotivo foi severamente afetado, pois encareceu demais as importações e afetou a indústria nacional, que também usava insumos importados. E, como àquela época o protecionismo havia retornado, então os brasileiros ficaram ainda mais sem opções. Veríamos esse filme logo depois com a chegada do Golf alemão de sétima geração (que depois virou mexicano e por fim brasileiro).
Em mais uma de nossas bizarrices tupiniquins, a Volkswagen inventou de fazer o Fox (projeto nacional mesmo), tentando posicioná-lo em um segmento acima do Gol, apesar de já existir o Polo (nem preciso falar de que o Polo era inferior ao vendido na Europa). O modelo fez muito sucesso, tanto é que durou mais de 15 anos (nasceu com o Real decolando e está previsto para morrer em 2020). Opa, mas aí a Volks decidiu exportar o carro para a Europa. Enquanto o modelo brasileiro "doméstico" sempre vinha pelado, com motor 1,0-litro como opção de entrada (que por sinal era uma grande latrina, só vendeu bem porque o brasileiro não tinha algo muito melhor para escolher), o modelo destinado para eles vinha com motor a partir de 1,2-litro (além do 1,4). Okay, ele não tinha o forte motor 1,6, mas esse carro era lá um mero carrinho de entrada, para os jovens europeus que acabaram de tirar a habilitação. Sim, ele tinha bolsas infláveis frontais e ABS, algo que nunca vimos por aqui no Fox (exceto em alguns CrossFox e depois da reformulação de 2009). E, para um efeito maior de curiosidade, o Fox mandado para lá era feito em São Bernardo do Campo (estado de SP), enquanto o destinado ao mercado brasileiro era feito em São José dos Pinhais, Paraná. Esquisito, não acham? Uma maravilha, né? Por lá durou alguns anos, logo depois sendo substituído pelo Up eslovaco. Acho que a única vantagem do Fox feito aqui era o fato de existir a opção pelas cinco portas e pelo motor maior de 101 cv (o 1,6).
E essa exclusividade para países desenvolvidos se estendia até mesmo para os países vizinhos.
Até os dias de hoje a Argentina é o maior mercado consumidor dos carros brasileiros (em parte porque o resto do mundo não deve aceitar tão bem grande parte das porcarias feitas no Brasil, assim como o acordo existente entre os dois países). É evidente de que após 2002, o país afundou. Um dos exemplos de carros exportados para eles foi o Chevrolet Celta: no Brasil embora por um certo tempo tenha havido o modelo com motor 1,4-litro, ele durou poucos anos. E para os argentinos? Inicialmente veio com o motor 1,0-litro, como Suzuki Fun (provavelmente vinha em configuração diferente, já que a gasolina argentina é notoriamente melhor do que a brasileira, por poder vir com menor concentração de etanol na mistura), vindo também com o motor 1,4. Anos depois ele acabou ficando só com o motor maior. Em 2011, por exemplo, com a reformulação, além de vir somente com esse motor, vinha mais barato. Há outros exemplos, tais como o Chevrolet Onix exportado que nunca veio para eles com motor 1,0-litro, o Ford Ka, Chevrolet Cobalt (sem o motor 1,4)... e isso acometeu outros carros, como o Fiat Mille que vinha com motor 1,25 litro (que na prática era Uno, pois o nome “Mille” é relacionado ao motor de 1000 cm³ aproximados) ... o que chama atenção é que, pelo menos até o fim da década passada, havia opções inúmeras de carros importados praticamente inexistentes no Brasil, tais como Ford Mondeo, S-Max, Chevrolet Corvette... dado de que felizmente eles estão livres da porcaria de mistura chamada de gasolina aqui, então muitos carros importados se livram do problema de tentar adaptar (tentar, porque sempre sai prejuízo para um motor que não foi inicialmente projetado para aceitar mistura; na Argentina não existem carros flexíveis em combustível como no Brasil), porque isso é um custo considerável. Imagine você gastar para readaptar cada carro para o país de destino? Claro que hoje o país está afundando ainda mais, graças ao grande gênio Alberto. Então não se iludam. Caso cômico também ocorre com o Gol exportado para o México, que vinha também mais equipado e potente...
Agora, e com relação às armas? Para quem entende de armas, a Taurus já ficou com fama de armas que atiram sozinhas (e, para não soar como uma mera acusação sem provas, isso resultou até em processo; mesmo porque este artigo tem intuito de ser um artigo de Economia e não um ataque à uma empresa X ou Y), pelo menos aqui no Brasil, prejudicando não apenas os civis comuns que compraram uma, mas também os próprios policiais, que também usam essas armas (e os bandidos continuam podendo ter boas armas). Embora haja casos assim mesmo nos EUA, pela própria teoria econômica já se pode deduzir de que são bem menos frequentes do que no Brasil (se alguém me provar o contrário, eu faço questão de corrigir e me retratar). Enquanto esse sonho de armamento civil livre fica mais distante do que sair com uma linda modelo grega encontrada no Tinder, os americanos têm sorte: os residentes nos EUA hoje são os maiores consumidores das exportações brasileiras de armamentos. Claro que nessa estatística, incluem-se também licitações (o que pode explicar o fato da Arábia Saudita estar em segundo lugar), mas é fato de que isso é extremamente relevante.
Agora, faça o favor de olhar a imagem abaixo (cujo endereço é este), e sinta inveja das armas da Taurus vendidas para eles.
Atualmente, a marca possui três fábricas: duas no Brasil e uma nos Estados Unidos, atendendo à milhões de consumidores mundo afora. Além de serem infinitamente mais acessíveis, possuem qualidade superior. Um pobretão americano que almoça no Mc Donald's (e lá é para pobre mesmo, com lanches por menos de US$ 2), trabalhando uma semana em um emprego básico, consegue comprar sem precisar parcelar infinitamente.
Me lembrei também da qualidade do café. Como o meu pai sempre gostou de café brasileiro, eu acabava consumindo café também da mesma origem. Sinto falta daquele café. O que faço hoje parece que foi adulterado, como se faltasse essência na bebida. São percepções meramente, mas elas conseguem traçar parcialmente algo que acomete o Brasil e outras economias atrasadas.
Depois desses breves exemplos, como explicar essa disparidade? Será que nós, residentes daqui, somos inferiorizados a tal ponto? Vamos para a outra parte...
Apartheid econômico
Antes de explicar o motivo dos produtos exportados serem melhores e mais baratos, explicarei alguns pontos antes. Se há algo que é uma verdadeira toxina contra os mais pobres, é o protecionismo e moeda fraca.
A desigualdade é natural, entretanto existe uma outra desigualdade: a artificial. Essa é danosa, pois é causada de maneira meramente arbitrária, burocrática, através de decretos e não de forma natural, que surge por diferentes preferências dos consumidores e habilidades e comportamentos dos empreendedores. E é justamente isso que acontece quando existe protecionismo e moeda fraca.
Talvez você tenha visto algum mapa em algum livro didático de Geografia mostrando a disparidade de renda entre os países no mundo. Infelizmente eles não explicam a origem dessa distorção e da riqueza (porque pobreza sempre existiu, sendo condição natural per se; não quer dizer que seja boa ou ruim, apenas de que ela é natural).
Dito isso, agora pense de que no Brasil a economia não é apenas extremamente fechada (mais do que a Argentina; e até hoje é assim) mas que também a sua moeda é uma porcaria que desvalorizou até para moeda do Haiti, Paraguai, México, Colômbia, Chile, Bolívia, Peru, Uruguai e Tailândia. Se o objetivo do Banco Central é "assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda" (está lá mesmo no site oficial deles), então no mínimo eles deveriam pedir desculpas. E de 2015 para cá não mudou muita coisa.
As consequências do protecionismo são vastas mas basta afirmar de que, ao adotar-se essas medidas, todos os produtos domésticos tenderão a ficar mais caros e piores, pois ficarão blindados contra os produtos estrangeiros, na prática tirando a liberdade do consumidor. É como se uma corporação agora ficasse sendo mimada de maneira indefinida. Além de gerar acomodação, gera dependência (por isso uma abertura comercial pode falir empresas dependentes, o que é natural e benéfico para a sociedade). E por que o mais pobre será mais atingido? Ora, o seu orçamento será muito mais afetado por um produto mais caro. R$ 1000 irá pesar muito mais nas despesas mensais (e anuais) para quem ganha até R$ 2000 do que para quem ganha acima de R$ 20 mil (e muitos, ironicamente, estão no estado). Quem é rico pode mudar os seus planos. Pode viajar para fora e trazer as coisas (embora sabemos de que a alfândega brasileira é algo absolutamente norte-coreano), comprar de alguma das poucas importadoras existentes ou mesmo sair do país (embora haja motivos "melhores" para um rico sair do país do que uma tarifa protecionista). Agora, sendo mais claro: o rico vai poder comprar um bom carro importado como um BMW (ou um nacional menos ruim como um Civic); o pobre vai ter de se contentar com um Kwid dividido em prestações infinitas.
Além das tarifas, ainda há um agravante: uma moeda imprestável. Pelo menos não conheço nenhuma economia hoje que possua moeda forte e economia fechada, ou moeda fraca e economia aberta. São coisas praticamente juntas.
A moeda faz parte de metade de todas as transações econômicas. Quanto mais forte a sua moeda, menos unidades monetárias serão necessárias para comprar o mesmo bem ou serviço. Uma moeda que mantém o seu poder de compra estável - que consiga comprar os mesmos bens e serviços ao longo do tempo, ou que sofra o mínimo possível de perda de poder de compra - garante segurança para investimentos produtivos, de longo prazo ou, quando ela continuamente ganha poder de compra ao longo dos anos, como ocorreu ao longo do século XIX nos Estados Unidos, quando havia padrão-ouro (e na Europa Ocidental), é como se você estivesse fazendo uma poupança ao longo do tempo pois, ao longo dos anos, a mesma quantidade de moeda consegue adquirir cada vez mais bens e serviços. É como se todo ano você ganhasse aumento salarial.
Apesar de hoje infelizmente estarmos em um mundo de moeda fiduciária e inflacionada, pode-se usar indicadores para medir a força de uma moeda. Hoje, normalmente pode ser usado o dólar americano como referência, pois é moeda internacional de troca. Ou mesmo o ouro, ou uma cesta de commodities.
Usemos então o iene japonês, moeda corrente no Japão, com relação ao dólar americano. Preste atenção no gráfico abaixo (pode ser acessado aqui), que mostra a taxa de câmbio USD/JPY (dólar para iene).
Em 25 de janeiro de 1971, um dólar valia 357,72 ienes. Em 9 de dezembro de 2019, 109,33 ienes. Ou seja, o iene ao longo das décadas se valorizou 227,19% em relação ao dólar. Esse é um dos fatores que explica o milagre econômico japonês (e que também permite que um país com dívida bruta de quase 250% do PIB seja ainda mais confiável que o Brasil). Apesar do alto valor nominal (que por si só não mostra se a moeda é forte ou não), o iene é uma das moedas mais fortes do mundo. O peso chileno, de alto valor nominal, é outro bom exemplo disso (e que se valorizou mais que o real).
Assim sendo, moeda forte significa de que os mais pobres irão ser os principais beneficiados. Um pobretão americano que ganha US$ 1500 tem um padrão de vida invejável para quem é da classe média brasileira. Mesmo fazendo uma conversão porca cambial, qual é o acesso aos bens e serviços que quem ganha R$ 6000 possui no Brasil? Qual carro? Possui máquina de lavar-louças, secador de roupas? Máquina de cortar grama movida à gasolina? Quanto mais sólida e forte a moeda, mais rica é a população, pois ela terá acesso a bens e serviços mais baratos, estrangeiros e domésticos.
Certo, mas e os produtos exportados?
Explicados brevemente os malefícios do protecionismo e de uma moeda doente, então por que, afinal, os produtos brasileiros exportados são melhores e mais baratos?
Parece algo complexo, mas não é: moeda forte e abertura comercial.
Pense em um exportador de café. Além de vender para o entorno, concluiu de que compensa exportar também. Ele quer vender para os americanos, pois sabe de que os Estados Unidos são o maior consumidor de café brasileiro. Só que o café que você irá exportar estará cotado em dólares, e os americanos usam dólares como moeda corrente.
Está bem mas... e aí? Como o seu café está sendo vendido em uma moeda mais forte, para um público com maior poder aquisitivo (e que mesmo assim é mais acessível para eles, pois a renda nominal também é maior), ele tem de ser melhor. Além disso, o café brasileiro concorre com café colombiano, vietnamita e de outras partes do mundo. Você não vai conseguir vender uma porcaria para um público mais exigente. E isso vale para qualquer outro bem exportado, inclusive nas armas, pois a Taurus nos EUA enfrenta farta concorrência de outras fabricantes de armas, enquanto aqui ela possui praticamente monopólio (foi tirado só no ano passado). Aqui vão evidências anedóticas: eu passava em seção de frutas e vegetais em qualquer supermercado, e ficava longe de preocupação de ficar garimpando alguma fruta que não estivesse cheia de marcas e amassados. Você pega, coloca no saco e pronto. O arroz nova-iorquino compete com arroz brasileiro e indiano. Encontrava feijão ensacado (em um bonito saco, por sinal) indiano, coisa que eu não via nem em um supermercado mais refinado no Brasil.
Embora hoje os EUA possuam algumas restrições de importação (não é mais aquele emaranhado de federações recém-livres do Reino Unido), ainda é uma maravilha perto do Brasil o que, aliás, não é difícil. Em abertura comercial, o Brasil já perde para Argentina, Peru (lá é ainda mais humilhante, pois eles podem usar o dólar como moeda corrente desde o começo dos anos 2000), China, Vietnã, Chile, Colômbia...
E isso acontece com qualquer país de alta renda. O Golf brasileiro não podia ser uma porcaria, porque os americanos poderiam simplesmente trocar por um similar mexicano ou alemão. O Fox brasileiro vide, pois o europeu poderia comprar um similar de uma outra marca (mesmo a protecionista UE consegue ser mais aberta do que o Brasil). Hoje o Ecosport vendido nos EUA é importado da Índia. O Ka vendido na Europa é importado da Índia. Nem preciso dizer a superioridade. Mesmo eles alterando os padrões e a estrutura do carro, o carro teve uma má pontuação no EURO NCAP. Enquanto aqui um carro caro obter 3 estrelas ainda pode receber elogios, por lá já é considerado porcaria. Abaixo de 5 estrelas e já é um escândalo, aliás. Agora não se sabe se ou quando ele terá um sucessor.
Nem mesmo os carros importados para o Brasil são perdoados. Exemplo é o Série 5, importado da Alemanha. Além de ficarmos sem as demais versões disponibilizadas para os europeus, ficamos ainda sem o controle eletrônico de amortecimento (que deixa o carro mais macio ao rodar), quase que essencial para um país com vias de qualidade tão pornográficas. E claro, além do protecionismo, da moeda ruim, ainda há o fato dos custos para se homologar cada versão de carro no Brasil, que é de cerca de R$ 1 milhão.
E pior: não apenas existe uma desigualdade dentro da própria linha imaginária (o Brasil), mas também fora dessa linha, causadas por intervencionismo estatal via protecionismo e moeda em constante esfacelamento. Essa é uma das inúmeras diferenças entre países mais abertos ao comércio com relação aos países mais fechados ao comércio.
O que fazer?
Uma vez que o diagnóstico dessa realidade foi feito, o que poderia ser feito? Taxar exportações? Não, e isso é o que Leandro Roque afirma com precisão neste comentário:
"Taxar exportação é uma medida que reduz a produção, exatamente o oposto do que se quer.
Imagine que você é um pecuarista. Você está produzindo para mandar pra fora, pois, ao exportar, você ganha dólares, que é uma moeda forte. É muito melhor produzir para vender para estrangeiros ricos que pagam em dólar do que vender para o populacho que paga em reais.
Se as exportações começarem a ser taxadas, você, obviamente, não continuará produzindo o mesmo tanto para agora vender apenas para o populacho em troca de reais. Se você fizer isso, você estará pagando para trabalhar e produzir (você estará produzindo o mesmo tanto, mas ganhando muito menos; na prática, seu custo de produção aumentou).
Logo, você obviamente irá reduzir sua produção até o ponto em que a redução da oferta aumente os preços e lhe traga uma receita satisfatória.
Ou seja, trata-se de uma medida que, ao contrário do que se almeja, reduz a oferta de carne produzida.
[...]"
Mas o que fazer então? Simples: abertura comercial e moeda forte. A abertura comercial permitirá que o mais pobre possa comprar bens de maior qualidade por preços menores e uma moeda mais forte fará com que esses bens estrangeiros fiquem ainda mais baratos. A indústria doméstica então irá ser forçada a se adaptar e passar a vender bens de qualidade também para quem está dentro da Terra de Santa Cruz. Mas ela própria irá se beneficiar, já que irá poder investir em bens de capital e comprar insumos por preços mais em conta. E então finalmente a produtividade brasileira poderia subir. É isso que permite aumentos salariais e menos horas na jornada de trabalho.
Leandro sintetiza neste artigo de 2012:
"O padrão de vida de um país é determinado pela abundância de bens e serviços. Quanto maior a quantidade de bens e serviços ofertados, e quanto maior a diversidade dessa oferta, maior será o padrão de vida da população. Por exemplo, quanto maior a oferta de alimentos, quanto maior a variedade de restaurantes e de supermercados, de serviços de saúde e de educação, de bens como vestuário, materiais de construção, eletroeletrônicos e livros, de pontos comerciais, de shoppings, de cinemas etc., maior tende a ser a qualidade de vida da população.
Porém, a quantidade e a diversidade não bastam. A facilidade de acesso a estes bens e serviços — no caso, quão caros eles são — também é essencial. Por isso, é de suprema importância termos uma moeda forte.
No Brasil, além de a qualidade dos serviços no geral ser ruim, a quantidade e a variedade de bens de consumo é muito baixa, pois além de o governo dificultar ao máximo as importações, nossa desvalorizada moeda não tem poder de compra em relação às principais moedas do mundo. E não bastasse a pouca oferta e a pequena variedade de bens e serviços, o acesso a eles é caro, justamente porque o governo destrói continuamente o poder de compra da moeda.
Portanto, eis a realidade atual do Brasil: qualidade da mão-de-obra em queda livre, quantidade e variedade de bens e serviços bastante insatisfatória, e acesso a eles cada vez mais caro. Em vez de facilitar a aquisição de bens de capital, o que poderia remediar a questão da baixa produtividade e da qualidade dos bens e serviços, o governo dificulta o acesso, tanto por meio de tarifas quanto por desvalorizações cambiais. E, para piorar, não há absolutamente nenhuma tendência de melhora na qualidade da mão-de-obra. Esse é o nosso padrão de vida. "
E lhes trago outro trecho de outro artigo, de 2013:
"Os carros que circulam corriqueiramente em Lisboa — oriundos majoritariamente da Alemanha, da França e da Itália — podem ser vistos apenas nos bairros mais chiques de São Paulo. Um carro popular europeu possui como itens de série apetrechos que no Brasil são opcionais caríssimos. No bairro do Chiado, você encontra comércio mais diversificado, mais elegante, mais vibrante e (muito) mais barato do que na Oscar Freire. Fui à FNAC de Lisboa à procura do iPhone 5. "Desculpe, mas está esgotado em todo o país. A próxima leva chega semana que vem." No Brasil, o iPhone 5 não se esgotou. Ele simplesmente não chegou. A rede El Corte Inglés, com oito andares de comércio de todos os tipos, faz qualquer shopping brasileiro parecer uma coleção de lojinhas de bairro (mas com preços que fariam um suíço repensar seu conceito de riqueza).
Um país como o Brasil, que possui reduzida oferta de bens estrangeiros e preços estratosféricos, realmente está em melhor situação do que um país em situação contrária? Se o Brasil fosse realmente invejável e a Europa estivesse realmente tão mal, não seriam os brasileiros que estariam invadindo Lisboa à procura de bens de consumo, mas sim o contrário. "
Apesar de Espanha e Portugal serem países atrasados para padrões europeus, o padrão de vida ainda é muito maior do que no Brasil. Não apenas pelo fato da moeda ser mais forte, mas o fato de acesso aos bens e serviços ser bem mais amplo. O salário de um caixa espanhol é de aproximados 1700 euros. Menos de um ano de salário e ele consegue comprar um Fiesta básico. E um caixa brasileiro? Em menos de um ano ele vai conseguir no máximo comprar uma porcaria de um carro usado à nível de Fiat Mille.
Nos anos mais recentes, temos perdido várias opções de carros. Perdemos o bom Golf alemão e, anos depois da nacionalização, agora ficamos também sem o Golf paranaense. O Fiesta foi embora também. Focus argentino vide. Visto de que com o novo governo argentino os investimentos produtivos serão afetados, não podemos esperar que o Focus de nova geração chegue por lá tão cedo. Em economias reguladas, a economia de escala é mais adotada, de forma que um carro só será comercializado se tiver um bom número de vendas considerável, fenômeno que hoje está atingindo os utilitários vendidos no Brasil. Tanto é verdade de que nos EUA, por exemplo, onde a preferência por hatchbacks é ínfima, há opções pelos hatches Corolla e Civic.
Mas e então, deveríamos forçar as fábricas a continuar produzindo Fiestas, Focus e Golfs no Brasil, em nome dos autoentusiastas? Claro que não! Isso é comunismo e pode até lembrar o Brasil nos anos 80, com importações proibidas e muitos carros nacionais, a maioria envelhecidos e de qualidade medonha. As importações devem ser liberadas imediatamente, sem o gradualismo proposto pelo Paulo Guedes. O sofrimento dos pobres é infinitamente maior do que algum desconforto de alguma corporação mal-acostumada com protecionismo. Sofremos isso desde 1500. O Mercosul é atualmente uma máquina protecionista e que, de tão ruim, sequer libera as importações de bens e serviços entre os países dentro do próprio bloco. Imite o Chile: saia desse arranjo e se liberte. Acabe com esse corporativismo pornográfico e deixe os brasileiros comprarem os novos Fiestas e Focus, Golf, além de muitos outros carros os quais se mencionar um a um, este artigo ficará ainda maior.
Como deixar o real mais forte? A coisa mais crucial é o Paulo Guedes parar de falar que é ok o real afundar. Não fale nada. Se tiver que falar, fale que o Brasil precisa ter uma moeda forte e que isso é benéfico para a economia. Por incrível que pareça, o discurso de um burocrata tem muito poder sobre a moeda. Como infelizmente não há nem previsão de se adotar nem Currency Board nem liberar circulação de moedas estrangeiras, o melhor a ser feito é continuar fazendo reformas e mais reformas, pois a economia brasileira está agonizando e hoje já não temos mais o bônus demográfico. É preciso de segurança jurídica (o problema é que neste caso precisaria ser feita uma nova Constituição, pois a atual é a que causa esse tormento). Esqueça CPMF e outras tributações escondidas. O investimento estrangeiro e doméstico irá ser estimulado através dessas reformas pois, quando a economia cresce, a demanda pela moeda nacional aumenta, o que naturalmente fará com que ela se valorize. Desregule o setor de petróleo e seus derivados. Exatamente isso que aconteceu no Paraguai, onde a moeda tem quase o mesmo poder de compra do há mais de 10 anos. O crescimento no país está por enquanto robusto. As commodities indicam também a saúde de uma moeda, pois as commodities interferem em toda a economia, desde o rapaz que faz manutenção na sua casa até a fabricação de uma máquina. Quando as commodities aumentam de preço, isso irá interferir nos preços de todos os insumos. Farelo para fazer ração para gado, o ferro utilizado para fazer as ferramentas desses profissionais, entre outras coisas. Sim, nós “comemos” commodities.
Pense agora em todas as externalidades positivas que isso irá gerar para a economia. Os pobres tendo o seu padrão de consumo maior, cada vez mais exigentes e andando em bons carros. A indústria brasileira passa a ser cada vez melhor e não apenas exporta bens de qualidade extrema, mas vende bens de qualidade extrema também para o mercado doméstico. Traçar todos os benefícios também levaria a um extenso livro. Deixe isso para a sua imaginação.
Em suma, se você defende os mais pobres e é contra subsídios aos mais ricos (o que é na prática, já que a margem de lucro nos setores beneficiados aumenta com as tarifas de importação), defenda a abertura comercial e uma moeda forte.
Não é uma conspiração da Taurus, nem da Volkswagen, nem de nenhum cafeicultor, nem de nenhuma , e sim a pura teoria econômica, sobre o que acontece quando um país adota moeda fraca e protecionismo.
Esperemos que, caso Bolsonaro governar até pelo menos 31 de dezembro de 2026, as reformas continuem e continuem.
¹ Como o Real está algo desvalorizado, então o leigo pode converter um leite americano para reais, então dando a impressão de que é caro. Não é que é caro, é que o Real é uma porcaria mesmo. Lembre-se de que, além da renda nominal americana ser maior, ainda é em uma moeda mais forte. Em menos de uma hora de trabalho, você compra um leite de amêndoas decente (e ainda sobra para comer no Mc Donald's). Minha mãe que tem esse hábito.
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