Felipe Lange
Além de dar um feriado nacional no qual você possa descansar, jogar algo ou outra coisa, o Golpe de 1889 foi alvo de diversos estudos acadêmicos e discussões posteriores. O Império do Brasil, que era um dos poucos lugares de estabilidade política na América Latina (e que completa também 200 anos de relações diplomáticas com os Estados Unidos da América), caíra em poucas horas no 15 de novembro de 1889. O Império do Brasil se tornaria a República dos Estados Unidos do Brasil.
O golpe seria formalizado pelo primeiro decreto, o decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889. Pela lei, o regime seria imposto de "forma provisória" (artigo 1º). Só que, como diria Milton Friedman muitas décadas depois:
"Nada é tão permanente quanto um programa temporário do governo."
Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, veterano da Guerra do Paraguai, liderou o golpe.
Em questão de horas, a Família Imperial teria que sair do País. O segundo decreto do mesmo dia 15 de novembro previa a quantia de 5 mil contos de réis para a família se sustentar no estrangeiro, mas Pedro de Alcântara, uma pessoa austera, recusaria a quantia. Posteriormente, o decreto nº 78-A, de 21 de dezembro de 1889 baniria de vez a família e suspenderia a soma dos subsídios. Apenas 41 anos depois, por meio do decreto nº 4.120, de 3 de setembro de 1920, eles poderiam voltar ao Brasil, inclusive os restos mortais de Pedro e sua esposa Teresa Cristina.
Ninguém entendia nada
Ainda na América Portuguesa (1500 - 1808), os eleitores podiam eleger os administradores, juízes e vereadores nas vilas (as Ordenações do Reino, que governavam tanto Portugal quanto os territórios ultramarinos). Onde hoje é o Brasil, ocorreriam as primeiras eleições nas Américas, ainda em 1532. Existia um certo nível de soberania popular, surpreendente para o período. Os reis portugueses davam certa autonomia à região, delegando para cargos como governadores-gerais, além de outras subdivisões.
Todavia, de 1889 até à Revolução de 1930 (também um golpe) de Getúlio Vargas, os presidentes do Brasil não eram exatamente uma representação popular, já que o voto censitário ainda permanecia. Só para se ter ideia, as eleições de 1926 deram o seguinte resultado: Washington Luís como vencedor com 99,7 % dos votos (mais popular que Vladimir Putin) e o adversário, Joaquim Francisco de Assis, com 0,16 %. Washington recebeu 688.528 votos, enquanto Joaquim levou apenas 1.116. O Brasil, à época, tinha uma população de 33.703.196 pessoas.
Em contraste, Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga (Dom Pedro II) tinha um prestígio popular. E não apenas isso: os chefes de estado, intelectuais, cientistas e outras personalidades mundo afora o admiravam, feito que nunca foi repetido pelos governantes brasileiros sucessores. Depois da abolição definitiva da escravatura (lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888), muitos festejos populares se seguiram, inclusive direcionados ao próprio Pedro II, assim como à filha Princesa Isabel, principalmente pelos negros.
Com a saída forçosa da Monarquia, focos de instabilidade voltaram-se de forma violenta. Tamanha baderna não se via desde o Período Regencial (1831 - 1840). Ao mesmo tempo, com a chegada de mais imigrantes (em 1890, 28,7 % da população do Rio de Janeiro era de origem estrangeira), ideias socialistas e anarquistas chegavam em meio à classe dos operários, que estava em ascensão nos centros urbanos brasileiros. Juntos às novas ideologias, o liberalismo e o positivismo - que já estavam em círculos intelectuais brasileiros há bem mais tempo -, completavam o conjunto. Centro intelectual do período, o Rio foi um palco político por bastante tempo.
Embora alegadamente com propostas de maior participação política da população, a República desde o golpe até 1930 (como disse, outro golpe), nos trouxe prefeitos do Distrito Federal (então o Rio de Janeiro) cujas eleições diretas não existiam, já que eles eram simplesmente nomeados diretamente pelo presidente do país, sendo aprovados no Senado Federal (como se fosse uma sabatina para um indicado para o atual Banco Central do Brasil, por exemplo).
Segundo o José Murilo de Carvalho, em sua obra "Os bestializados" (p. 28):
"O número de eleitores foi mantido sempre em níveis baixíssimos, e o processo eleitoral foi totalmente falseado pela intimidação, pela violência e pela fraude, como será demonstrado no capítulo 3. Dissociava-se o governo municipal da representação dos cidadãos. O fato era agravado pela frequente nomeação de prefeitos e chefes de polícia totalmente alheios à vida da cidade, muitas vezes trazidos dos estados pelos presidentes da República. Abria-se então, do lado do governo, o caminho para o autoritarismo, que na melhor das hipóteses poderia ser um autoritarismo ilustrado, baseado na competência, real ou presumida, de técnicos. Não por acaso, muitos dos chefes do governo municipal no período em foco foram médicos ou engenheiros."
Aristides Lobo, um dos conspiradores do golpe republicano, escreveu ao jornal Diário Popular, ainda no dia 15 de novembro, descrevendo:
"O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada."
Ao mesmo tempo em que a classe política e intelectual queria se inspirar nas ideias revolucionárias francesas, deve-se lembrar que o protagonismo popular era bem maior na França, país que até hoje é conhecido por suas grandes e constantes mobilizações políticas.
Isso foi o que o jovem médico francês, Louis Couty (1854 - 1884), percebeu, quando afirmou que "o Brasil não tem povo", embora ele combinasse isso com ares da ideia comum aos intelectuais do período, sobre o conceito de "superioridade do homem branco".
Outro exemplo fora de Raul Pompeia, outro entusiasta do novo regime e que festejou a recém-imposta República. Raul, intelectual abolicionista e republicano há algum tempo, teria dito que (DE CARVALHO, 2019, p. 57):
"Desenganem-se os idealistas: o povo fluminense não existe. [...] Dirão que o povo uminense fez a agitação abolicionista e a agitação republicana [...]. O povo não fez nada disso. Um grupo de homens denodados, bastante ativo é certo, para parecer a multidão, fez o movimento abolicionista e o movimento republicano do Rio de Janeiro. Em volta desses campeões devotados acercavam-se curiosos; e foi só".
Por fim...
Sem unanimidade entre os próprios republicanos, com diferentes linhas de pensamento, tendo a ala militarista que apoiava as ditaduras militares de Deodoro e Floriano (e mesmo entre essa ala havia discordância) até àqueles que apoiavam governos oligárquicos locais, o Brasil republicano por pouco tempo ficou sem algum tipo de instabilidade.
Mesmo com a inauguração da política dos governadores por Campos Sales, os futuros distúrbios ainda viriam. Movimentos como o tenentismo, os impressionantes anos de estado de sítio de Artur Bernardes e a tomada de poder pelo Getúlio Vargas foram outras das consequências políticas para o Brasil, que correm entre nós até os dias atuais.
A Constituição mais duradoura no país foi, até hoje, a de 1824, que também completa seu aniversário de 200 anos. Isso diz bastante sobre o Brasil, não é?
Imagem de abertura: "Proclamação da República", óleo sobre tela de Benedito Calixto (1853 - 1927). Pintura datada de 1893.
Referências:
DE CARVALHO, J. M. Os bestializados. Companhia das Letras, 2019.
Comments