Felipe Lange
Nesse dia 25 de outubro, Jurgen Esser, diretor financeiro da Danone, falou sobre cortar a compra de soja produzida pelo Brasil, sem dar muitos detalhes, exceto em mencionar o rígido Regulation on Deforestation-free Products. Isso, todavia, já foi o suficiente para provocar mobilização dos produtores Brasil afora, com a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) lançando uma nota de repúdio sobre.
Mesmo que os europeus deixem de comprar em definitivo a soja brasileira, os chineses continuarão o fazendo com alegria, sem reclamar (67,5 % da soja exportada foi para a China). Os impactos, embora prejudiciais e respeitáveis, chegam a 12,78 % do total (e a França está numa ínfima fatia de 1,06 % do total exportado para o mundo), bem menos do que exportando para os chineses.
Agora, o fato de a União Europeia estar empurrando essas barreiras comerciais é aquilo que é mais velho que andar para frente: mercantilismo, algo que já era combatido pelo menos desde os fisiocratas.
A única coisa nova nessa é que essas barreiras estão vestidas com o ambientalismo, a nova pauta que tem sido abraçada alegremente pelos socialistas mundo afora.
A Europa Ocidental, que hoje é a região mais rica do continente europeu, se enriqueceu com uso de combustíveis fósseis, incluindo-se o uso de fontes extremamente poluidoras como o carvão mineral.
O Brasil, por outro lado, ainda não enriqueceu, mas o seu padrão de vida nas últimas décadas aumentou e, para isso, precisou do uso de combustíveis fósseis (embora o uso de carvão mineral nos últimos sessenta anos sempre fosse muito baixo). Especialmente num país ainda pobre e dependente de transporte rodoviário, como banir os combustíveis fósseis dos caminhões antigos daqueles motoristas massacrados pelos impostos e regulações?
O resto do mundo, que ainda não chegou ao "Primeiro Mundo" (incluindo os países emergentes), que fique empobrecido e importe as pautas dos burocratas de países ricos. Em suma, uma nova forma de colonialismo.
Subsídios
Essa pauta é tão popular que praticamente em todo o mundo os governos subsidiam a agropecuária de alguma forma.
Dentro da União Europeia, há o chamado Common Agricultural Policy, que envolve, entre outras coisas, subsídios para produtores no agronegócio. Em 2019, o total dispendido foi de 49 bilhões de euros. A França foi a maior recebora, de mais de 8 bilhões. Conforme o orçamento previsto para 2021 - 2027, serão 386,7 bilhões de euros alocados de subsídios para os países dentro da União Europeia.
Se com razão os produtores rurais criticam os subsídios, não devemos esquecer que o Brasil não é tão diferente (apesar de ser um setor altamente competitivo no mercado internacional). Por exemplo, o Plano Safra destinará R$ 400,59 bilhões somente para 2024 (grande aumento em relação ao de 2023, que foi de R$ 340,88 bilhões), com juros subsidiados (pagos por você). Além disso, conforme mostrou Fernando Chiocca neste artigo de maio de 2023, há inúmeros outros programas, e o maior financiador do setor é atualmente o Banco do Brasil, que é um banco estatal.
Além disso, há ainda os subsídios indiretos. Um deles, que você provavelmente conhece, é a absurda mistura obrigatória de 27 % de etanol anidro na chamada gasolina C, ou 25 % na gasolina premium, esta última bem mais cara e oferecida por apenas alguns postos, um dos maiores percentuais do mundo e que apavora até os franceses, que podem usar álcool misturado com gasolina nos postos (ainda que bem incomum). Com tamanha mistura, naturalmente serão inúmeros hectares de terra devastados apenas para produzir cana-de-açúcar, que poderiam ser utilizados para outros fins econômicos (inclusive para áreas de preservação ambiental). Outro absurdo nesse é a mistura obrigatória do Biodiesel, que atualmente é misturado à 14 % do Diesel vendido nos postos. Como grande parte do Biodiesel vem da soja, dá-lhe mais desperdício de terra e recursos para não perder a clientela cativa criada pelo subsídio. Isso sem contar os efeitos maléficos sobre os motores, já que o consenso nos países desenvolvidos (inclusive aqueles que adotam as agendas ambientais) é de limitar esse percentual a 7 %. Subsídios são anti-ambientais.
E ainda, com a sanção presidencial da lei nº 14.993, de 8 de outubro de 2024, a "Lei do Combustível do Futuro", futuros aumentos nesses percentuais de Biodiesel e álcool serão permitidos, já que a adição de álcool à gasolina, que estava entre 18 e 28 %, agora será entre 22 e 35 %. Para o Biodiesel, a previsão é de um aumento de um ponto percentual até 2030, que chegaria então à 20 %. Nada contra pesquisa e desenvolvimento de tecnologias nesse ramo (afinal sou biólogo), mas estes são processos que deveriam ser deixados para ocorrer naturalmente no mercado livre, não por meras imposições estatais. Num país ainda pobre e que para muitas famílias o único veículo possível de se ter é um carrinho de R$ 10 mil parcelado movido à gasolina, os congressistas deveriam pensar mais naqueles que eles juraram representar em 2023.
Diferentemente do álcool vendido nos postos, que possui os preços determinados pelo mercado (aliás, é uma das poucas coisas boas do combustível), os preços da gasolina são os chamados preços administrados, pela Petróleo Brasileiro Sociedade Anônima (Petrobras S.A.) e como o setor de postos de combustível é extremamente regulado, dificilmente veremos uma redução no preço da gasolina C (ou premium) nos postos com uma eventual adição de álcool à mistura.
Falando um pouco mais de carros
A maciça expansão monetária do Banco Central de 2020 a 2021 foi uma das maiores causadoras na alta de preços dos veículos vendidos no Brasil, tanto novos quanto usados. Isso, apesar de uma queda dramática nas vendas nos últimos anos, conforme gráfico abaixo:
Além do mais, nos últimos anos, com muitas e crescentes resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) sobre itens de segurança ativa e passiva dos veículos (como exigência de controle de estabilidade), aqueles veículos de projetos mais simplificados, ou sumiram do mercado, ou simplesmente encareceram. Toda regulação adicional é um custo à mais para os empresários terem de arcar, inclusive em ter de modificar a parte eletrônica de um veículo, assim como em adicionar mais bolsas infláveis, que são também itens onerosos. Carros como um Toyota Etios, um projeto emergente simples e que ainda serve bem à muitos motoristas (inclusive de aplicativo), ficariam inviáveis. É melhor isso do que andar numa motocicleta ou, pior, ter que andar a pé ou depender do transporte coletivo sujeito à monopólios (um drama ainda maior em cidades do interior do Brasil).
Deve-se levar em conta que, além dos problemas acima mencionado, essas resoluções não acompanharam a renda da população. Isto é, o PIB per capita do brasileiro em dólar americano (por paridade por poder de compra) está estagnado há dez anos (ou pior, houve uma queda constante, sem superar 2013).
PIB per capita por paridade por poder de compra, 1999 a 2022.
Atualmente, o carro mais barato no Brasil é um Fiat Mobi de R$ 73.990. Em 2014, era um Renault Clio, de R$ 27.380 (no ano anterior, era um Fiat Mille com preço de R$ 22.540). Embora obviamente o Mobi seja mais moderno e tenha mais coisas do que o Clio, não devemos ignorar o fato de que uma população cuja renda real está estagnada ou em queda não pode comprar um carro tão caro desses, pelo menos não na quantidade que se comprava há dez anos. Ainda devemos nos atentar que, como grande parte dos carros novos é comprada com financiamento, o endividamento em alta é outro fator que afeta a demanda por novos veículos, conforme mostra o gráfico abaixo.
Endividamento das famílias com o Sistema Financeiro Nacional em relação à renda acumulada dos últimos doze meses, janeiro de 2005 à agosto de 2024. Sistema Gerenciador de Séries Temporais do Banco Central do Brasil.
Apesar do entusiasmo sobre os carros elétricos (e com pouca gente falando do problema ambiental das baterias de lítio), a população mais pobre continua dependendo ou do transporte coletivo (muitas vezes péssimo por ser um regime de monopólio) ou de carros antigos (porque coisas como a maior carga tributária entre os emergentes os impede de comprar um carro melhor).
Está na hora de pensar nos mais pobres, né?
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