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Foto do escritorFelipe Lange

O encerramento de carros pela Ford nos EUA explica mais coisa do que você imagina

Atualizado: 13 de set. de 2020

Parte 2: Crise do petróleo, Bretton Woods e mais benesses

Antes de começarmos a segunda parte, recapitulemos resumidamente o artigo anterior: o que propiciou aquela sensação real de prosperidade vivenciada pelos americanos foram as reformas econômicas feitas após a Segunda Guerra Mundial. Isso por consequência aumentou o padrão de vida das famílias, o que permitiu a aquisição de carros ainda melhores que, por sua vez, eram produzidos por uma nascente e pujante indústria americana de carros, que começou a investir cada vez mais em sua linha.


Infelizmente o governo americano, desde pelo menos Woodrow Wilson, tem se envolvido em trapalhadas e confusões mundo afora, cada vez mais. O problema das pessoas de certo país se enriquecerem demais, é que isso desperta a fome do estado, que poderá então pilhá-las e se inchar cada vez mais. E é isso que começou a ocorrer.

Essa ideologia nociva é defendida pelos neoconservadores. Como esse trecho desse bom artigo explica:


“Atualmente, existe uma diferença intransponível entre o conservadorismo genuíno e o neoconservadorismo, este último uma aberração surgida nos EUA e capitaneada por ex-trotskistas.


[...]


[...] defender a invasão militar de países estrangeiros também nada tem de conservador. Isso é uma plataforma dos neoconservadores, um movimento formado em sua quase totalidade por indivíduos ex-trotskistas que nunca abandonaram sua sanha intervencionista.


O problema é que esse genuíno conservadorismo possui uma de suas raízes na chamada "Old Right" americana, a qual não era de raiz conservadora mas sim libertária. A "Old Right" era um movimento liderado por pessoas que passaram a ser desdenhosamente chamadas de isolacionistas, simplesmente porque se recusavam a aceitar que o estado se intrometesse em outros países. [...] ”



A importação de petróleo começou a aumentar em conjunto com a recuperação econômica dos EUA. O problema começou por volta da década de 70, quando Richard Nixon, o então presidente da época, passou a controlar preços de bens e salários, incluindo os da gasolina, antes mesmo do embargo imposto pelos países da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Uma reencarnação de Sarney assombraria os americanos, definitivamente. Empresas do setor de petróleo começaram a sair do mercado doméstico e a dependência do mercado externo foi só aumentando. Com isso, se tinha escassez de gasolina e longas filas nos postos de combustível, como já era o esperado.


Para piorar, em 1971, os resquícios do padrão-ouro eram encerrados de vez nos EUA (com o fim do acordo de Bretton Woods; vou falar sobre esse acordo posteriormente), o que daria ainda mais poder para o governo imprimir dinheiro, aumentando a inflação de preços. E o presidente então tentou controlar a inflação através desse controle de preços. Ele só se esqueceu que a realidade econômica não se curva a decretos.


O gráfico abaixo mostra a inflação de preços no período:

Inflação de preços acumulada de 12 meses, fim de 1970 até o começo de 1983


Até mesmo a Suíça foi afetada (país historicamente conhecido por sua estabilidade política e monetária):

Inflação de preços acumulada de 12 meses, 1968 até 1983



Vamos agora então ao gráfico na economia americana. Notem que a inflação começou a cair de 1980 em diante. Isso foi graças ao Paul Volcker que, ao ser nomeado pelo Jimmy Carter (presidente da República à época) como presidente do Federal Reserve (o banco central americano), deu uma "pancada" nas taxas de juros para deixar claro o comprometimento do banco central em controlar a inflação. Ele ficaria também sob a presidência do sucessor Ronald Reagan. O mandato de Volcker, então, ficaria até 1987.


Então, voltando ao circo político envolvendo o embargo do petróleo, o governo americano já não tinha boas relações com os países árabes (principalmente porque apoiava o estado de Israel). O trecho abaixo (deste artigo) explica o que houve:


"Em outubro de 1973, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo anunciou que seus Estados membros cortariam imediatamente a produção de petróleo em 5% e continuariam a fazê-lo todos os meses até que Israel se retirasse da Cisjordânia, Gaza e Jerusalém. Dias depois, a Arábia Saudita e o Kuwait anunciaram cortes de produção ainda mais dramáticos, e a maioria dos membros da Petroleum Exporting declarou que deixariam de vender petróleo para os Estados Unidos até que os Estados Unidos abandonassem o apoio ao Estado de Israel.


Algumas pessoas acreditam que o embargo foi diretamente responsável por longas filas de gasolina e por falta de combustível nos postos. A escassez era, na verdade, um subproduto do controle de preços imposto pelo Presidente Nixon em agosto de 1971, que impedia as companhias petrolíferas de repassar o custo total do petróleo bruto importado aos consumidores (pequenas companhias de petróleo, no entanto, estavam isentas do controle de preços em 1973). Diante dos crescentes preços mundiais do petróleo, o "Big Oil" fez a única coisa sensata: reduziu as importações e parou de vender petróleo para postos independentes para manter seus próprios franqueados abastecidos. Em maio de 1973, cinco meses antes do embargo, 1.000 postos foram fechados por falta de combustível e muitos outros reduziram substancialmente as operações. Em junho, empresas em muitas partes do país começaram a limitar a quantidade de gasolina que motoristas podiam comprar por parada.


Em resposta, o Congresso aprovou o Emergency Petroleum Allocation Act cerca de um mês antes do embargo, o que piorou as coisas. A Lei determinava que as reduções de fornecimento deveriam ser compartilhadas igualmente entre postos de gasolina independentes e de marca. Ele também colocou uma pequena porcentagem de gasolina indo para cada estado sob o controle dos governadores, que eles poderiam alocar como desejassem se a escassez ocorresse. E ocorreu, em grande parte por causa da retirada de suprimentos do mercado necessária para cumprir a legislação.


O embargo subsequente atiçou ainda mais a crise? Não - o embargo não teve efeito sobre as importações. Uma vez que o petróleo está em um tanque, ninguém pode controlar para onde vai. O petróleo que foi exportado para a Europa durante o embargo foi simplesmente revendido para os Estados Unidos ou acabou deslocando petróleo não-OPEP que foi desviado para o mercado dos EUA. As rotas de abastecimento foram embaralhadas, mas os volumes de importação permaneceram estáveis."



Japoneses começam a aterrorizar o mercado americano automotivo


A foto de abertura é de um Toyota Camry 1982. Lembrem-se dela agora.


Lembram-se do Acordo de Bretton Woods, o qual mencionei? Então, o que na prática esse acordo fez foi que, à partir de sua entrada em vigor, o dólar passaria a ser considerado a moeda internacional de troca. Como esse fragmento abaixo explica (o artigo é esse):


"Situação muito semelhante vem ocorrendo aos EUA.  Desde o acordo de Bretton Woods, em 1944, o país foi agraciado com o privilégio de deter a moeda internacional de troca.  O banco central americano imprimia dólares e os mandava para o exterior, e em troca esses países devolviam aos EUA produtos de todos os tipos.  A coisa aparentemente funcionava.  Os dólares enviados ao exterior voltavam na forma de investimento em títulos do governo americano, e o ciclo se reiniciava — algo que mais parecia um moto-perpétuo.  Porém, veladamente, a base industrial americana foi desaparecendo.  Afinal, não fazia sentido o país produzir coisas se ele podia adquiri-las do exterior muito mais facilmente. 


Essa erosão da base industrial americana, historicamente robusta e conhecida por seus bons salários, também teve outras causas: sindicatos agressivos que exigiam privilégios crescentes, aumento das regulamentações governamentais, carga tributária crescente, plantas e equipamentos envelhecidos, a cultura do bigger is better — que gerava desperdício e não estimulava a conservação e a disciplina —, e um descaso para com a qualidade e o design de seus produtos — que foi onde os japoneses fizeram a festa. "


Outros problemas começariam também nessa década. Em 1975 entraria em vigor o CAFE (sigla para Corporate Average Fuel Economy), mais uma dessas gambiarras que visavam reduzir o consumo de combustível dos veículos, através de limites para cada categoria (para picapes era menos restritiva, tanto é que hoje a oferta de grandes motores V8 ainda é comum para esse segmento, assim como para utilitários de maior porte). O problema é que isso prejudicou ainda mais os carros americanos, já que nesse período também muitos foram os carros que tiveram a sua potência reduzida (além de mudarem a metodologia de potência bruta para potência líquida) só para cumprirem as novas normas. Foi nessa década que começava o conhecido Malaise Era, o que podemos chamar de “era do mal-estar” (que terminou por volta do início da década de 80).


Uma boa forma de retratar esse retrocesso pode ser vista no Mustang, da Ford. Aquele carro que veio trazer esportividade e motores V8 para as massas, na sua nova geração em 1973, simplesmente não tinha mais essa opção de motor V8. Ok, mas e um turbocompressor para algo como um motor seis-cilindros, não teria? Nada disso.

E então surgiria algo bastante cômico: o carro agora tinha um motor 2,3 (quatro-cilindros) de 88 cv e um 2,8 V6 de 105 cv. Ele ganhava um motor V8 anos depois, mas bem menos potente do que nos anos anteriores. Não há um retrato melhor que esse, definitivamente.


O Mustang perdia bastante brilho, graças às regulações.


Em 1979, a segunda crise do petróleo voltava (agora o circo envolvia a Revolução Iraniana de 1979, onde a produção do petróleo pelo Irã cairia consideravelmente) e, em conjunto, os problemas como filas enormes em postos de gasolina voltavam, já que os controles sobre o setor de petróleo continuavam. Antes do Jimmy Carter sair de seu cargo e dar lugar ao sucessor Ronald Reagan, ele faria mais algumas desregulações no setor de petróleo (e depois o Ronald continuaria), melhorando bastante aquela situação dolorosa para os americanos.


Nessa mesma época, a Chrysler estava passando por dificuldades (vamos falar dela de novo, o que é também engraçado) financeiras e pediu socorro ao governo federal. Ou seja, eles pediram por um subsídio estatal custeado por todos os pagadores de impostos, porque não souberam se adaptar às mudanças naquele período. Eles simplesmente pediram um pornográfico empréstimo de US$ 13,6 bilhões ao então Jimmy Carter, para eles produzirem os chamados “carros K”.


Por que as fabricantes americanas sofreram nesses tempos? Além dos motivos mencionados anteriormente, o fato era de que as fabricantes americanas nunca fizeram um carro compacto antes. Elas eram amadoras e inexperientes nesse segmento. E ninguém nasce aprendendo, para ser justo. Tanto é que a Toyota começou fazendo um carro que era nada mais uma cópia de um carro americano. A Honda começava com seus carros pequenos desde pelo menos 1962, não obstante as enormes dificuldades pelas quais Soichiro Honda passou (como ter suas fábricas destruídas na Segunda Guerra Mundial e por terremotos). E a Toyota já havia tentado emplacar o Crown nos EUA por volta de 1957, mas aqueles tempos ainda eram favoráveis às barcas V8.


Quando estourou a crise do petróleo (a primeira), as fabricantes japonesas começavam a deslanchar. O Corolla nascia em 1966, chegando ao mercado americano em 1968, inicialmente importado do Japão. Tempos depois começaria a ser fabricado no país (e longe dos sindicatos agressivos no norte do país). O Civic chegava na mesma época. Carros da Datsun também começavam a embarcar. Definitivamente, os japoneses eram muito melhores em fazer esses carros. Esses pequeninos carros consolidaram a reputação de qualidade construtiva, resistência e baixo consumo, algo que não existia nos similares americanos. Mais uma evidência empírica do que se trata a divisão social do trabalho, de fato.


No início da década de 80 mais restrições vinham, dessa vez colocando algumas regulações sobre a importação de carros, atingindo então os carros japoneses, que estavam entrando no mercado americano nessa época. O americano seria punido em comprar o bom carro japonês (que inclusive fez sucesso por causa do próprio governo federal, que se incumbiu em sabotar o mercado de petróleo), e seria então obrigado a comprar os carros domésticos. Ronald estava querendo imitar o mercado brasileiro nessa época?


E, desse empréstimo cedido à Chrysler (à época presidida pelo Lee Iacocca), saíram os “carros K”, verdadeiras porcarias sobre rodas. Além do protecionismo ser prejudicial à competitividade, ele gera desperdícios e comodismo. Recursos escassos foram desperdiçados para serem reinvestidos em carros frutos de protecionismo. Da General Motors sairia outros carros de péssima qualidade, tais como o Chevrolet Citation e o Cadillac Cimarron (considerado pela revista Time um dos 50 piores carros de todos os tempos). A Ford se saiu um pouco melhor, pois nessa mesma época ela fabricava o Escort, que era uma adaptação do modelo europeu original.

Falando da própria, em 1985 ela lançaria um modelo de verdadeiro sucesso comercial, o Ford Taurus. A Ford, entretanto, assim como a Chevrolet e a Chrysler, continuava com modelos envelhecidos e datados, enquanto as fabricantes japonesas permaneciam competitivas. Tanto é que não era difícil você ver um modelo americano nessa época que mais parecia ter saído da década de 60 ou 70.


Novo? Esse era o antecessor do Taurus, que deu um suspiro de modernidade.


Enquanto as marcas nacionais ficavam nesse relativo marasmo, apesar de terem liderado as vendas em quase toda a década de 80, as japonesas Honda e Toyota (além das demais marcas asiáticas) chegavam com cada vez mais força, sendo que nesse período a Honda e a Toyota já estavam com fábricas instaladas no país. Talvez por tradição, curiosamente, as frotas policiais e de táxi continuaram preferindo os carros de origem americana, tais como o Chevrolet Caprice e o Ford Crown Victoria. Um bom estereótipo por sinal, além das rosquinhas (no caso o dos policiais americanos).


Os asiáticos continuavam sua ascensão, com mais asiáticos ainda vindo


Infelizmente (ou não) talvez aqui eu acabe falando mais de carros do que de Economia. Mas não tem problema, porque a ligação continua nesse artigo.


Em 1989 o Honda Accord já era o carro mais vendido do país (carro, ok? A Ford F-150 e suas derivadas lideram as vendas absolutas há décadas no país), permanecido assim até 1991, disputando a tapas com o Ford Taurus que, como mencionado anteriormente, veio muito competitivo e capaz de concorrer com os asiáticos. Tanto é que o Ford liderou de 1992 até 1997. O problema é que, além de enfrentar o Accord, ele ainda tinha de enfrentar o Camry, da Toyota (que ficava também em 1998, 1999 e 2000), depois em 2001 voltava o Accord e... basicamente ficavam assim, apenas os dois disputando a liderança. Enquanto nos EUA esses nipo-americanos sempre foram acessíveis, no Brasil vinham como verdadeiros carros de luxo (e alguns deles acabaram sendo blindados depois), por motivos óbvios.


Então eles ficaram simplesmente intragáveis. Não é mero fanatismo pelos carros de marcas do lado extremo do Oriente, mesmo porque há carros americanos que considero simplesmente adoráveis. O fato é que a reputação de confiabilidade, qualidade e eficiência se solidificava cada vez mais ao longo dos anos. Eles chegaram em tempos onde a demanda por carros eficientes era necessária, e foi um vácuo deixado pelas Big Three que ia sendo preenchido.


Vocês se lembram de quando mencionei as marcas americanas e suas divisões? O problema era esse também: muita confusão, distorções e desperdícios. A General Motors, na década de 90, além das divisões Chevrolet, Oldsmobile, Cadillac, Pontiac, Saturn e Buick, ainda tinha a GMC, Geo e Hummer. Um verdadeiro inchaço.


Peguemos qualquer ano na década de 90, só para tentar te explicar melhor. Vamos pegar o ano de 1999 (mesmo eu que gosto de carros me perdi várias vezes).


> Em ordem hierárquica crescente (em porte e categoria), na Chevrolet tínhamos os modelos: Prizm (que nada mais é que um Corolla com logomarca diferente, em uma breve época na qual a GM fez parceria com a Toyota) Cavalier, Malibu, Lumina, além de Camaro, Corvette e Monte Carlo. Mas você ainda tinha a Buick com Century, Regal, LeSabre e Park Avenue, assim como a Cadillac com Catera (que nada mais era um Omega europeu com logomarca diferente, e que foi um fracasso completo), Seville, De Ville, Eldorado e Escalade.


Não vou me estender mais sobre a linha completa do grupo, mas que fique claro: isso era claramente um desperdício. A Toyota tinha ela própria e a Lexus (e que trouxe um competidor à altura dos carros alemães de luxo, com o Lexus LS em 1989), mais nada. O Lexus LS aterrorizou a BMW e a Mercedes-Benz naquela época, pois oferecia um carro bem mais barato, só que com luxo e confiabilidade de um Toyota (mesmo porque o carro era na verdade um Toyota Celsior). Para variar, foi acusada de dumping pelo presidente da BMW à época. Uma boa desculpa de perdedor. Se ela enfrentou as consagradas marcas alemãs, não preciso nem dizer o que eram os concorrentes da Lincoln, Chrysler e Cadillac perto do japonês.


A Honda tinha ela própria e a Acura. A Nissan, além desta a Infiniti. As demais marcas japonesas Mazda e Subaru, apenas elas. Evidentemente havia algo de errado nesse arranjo. Você tinha a mesma marca vendendo carros iguais como se fossem diferentes (qualquer americano vai te falar que os carros da Buick nada mais são que Chevrolets com um pouco mais de luxo, o mesmo da Mercury com relação à Ford).


A Chrysler fez parte da Mercedes de 1998 a 2007 e, em parte de sua linha na década de 90, ela fazia a mesma coisa: você tinha, por exemplo, o Plymouth Breeze, o Dodge Stratus e o Chrysler Cirrus, que eram absolutamente o mesmo carro!!! O próprio Taurus, sucesso da Ford por certo tempo, tinha como similar o Sable da Mercury (depois teria ainda o Lincoln MKS...). E essa prática era coisa de décadas atrás (denominada de rebadging), porque essa cultura ainda permaneceu por décadas, mesmo após a invasão de marcas asiáticas. Era só você ver, por exemplo, que, décadas atrás o Mercury Cougar e o Ford Mustang eram em essência o mesmo carro.


Na década de 2000, mais desastres e trapalhadas, além da crise de 2008 - este artigo do mestre Leandro Roque explica tudo - . Aliado com esse desperdício ainda presente nas Big Three, os sindicalistas da UAW continuavam cheios de privilégios, direitos e mimos (enquanto as concorrentes japonesas não tinham isso). A GM não teria mais Oldsmobile, Pontiac, Geo, Hummer e Saturn. A Chrysler não teria mais Eagle e Plymouth. Hyundai e Kia, com uma atuação tímida na década de 90 (e ainda com carros de qualidade duvidosa), começavam a ganhar espaço.

Só para demonstrar em como esse sindicalismo foi extremamente nocivo para as marcas domésticas, peguemos esse trecho do artigo de George Reisman, intitulado “Onde estaria a General Motors sem a United Automobile Workers Union?”:


“Primeiro, a empresa estaria sem os chamados automóveis de segunda-feira de manhã. Ou seja, os automóveis mal feitos por nenhuma outra razão a não ser porque foram feitos num dia em que poucos trabalhadores apareceram, ou poucos apareceram sóbrios, para fazer os trabalhos que eram pagos para fazer. Sem o UAW, a General Motors simplesmente teria demitido esses trabalhadores e os substituído por aqueles que executariam os trabalhos para os quais foram pagos. E assim, sem o UAW, a GM teria produzido carros mais confiáveis e de melhor qualidade, melhor reputação de qualidade e, consequentemente, maior volume de vendas. Por que eles não fizeram isso? Porque com o UAW, tal ação da GM simplesmente provocaria paralisações e greves de trabalho [nota minha de editor: você já viu algum japonês fazer greve no Japão?], sem perspectiva de que o UAW seria desalojado ou que qualquer coisa seria melhor após as greves. A Lei Federal, especificamente, a Lei Nacional de Relações Trabalhistas de 1935, há muito tempo tornava ilegal que as empresas simplesmente se livrassem dos sindicatos. ”



No meio da década, a Ford faria o seu Fusion no México (concorrente direto de Camry, Accord e demais carros), por razões óbvias, de forma que ela pudesse cortar custos ao mesmo tempo em que melhorasse seus produtos ou, pelo menos, um deles. O carro tinha alguns diferenciais por usar plataforma Mazda (do Mazda 6, importado Japão) e motores feitos pela mesma. Muito embora, nessa época, a Ford insistisse em fazer tantos modelos iguais como se fossem distintos (como o Mercury Milan, que era o mesmo Fusion, com alguma diferença quase insignificante).


O modelo em si tinha bons dotes, mas ele continuaria sendo passado pelos rivais de marca japonesa, como revela esse gráfico abaixo:


Gráfico retirado do CarSalesBase, dos sedãs médios mais vendidos entre os anos de 2005 e 2018



Notem que ele ganhou alguma sobrevida nas vendas nos anos de 2008 e 2012, este último principalmente pelo fato dele ter chegado na geração que está à venda até hoje (a terceira). Normalmente nesse tipo de mercado, quando um concorrente chega renovado e os demais ainda não, este concorrente renovado pode potencialmente ganhar fatia. Foi o que aconteceu no Brasil na disputa entre Civic e Corolla. Em 2005, Corolla liderava as vendas entre os sedãs médios. No ano seguinte, quando chegava o Civic de oitava geração (conhecido como “New Civic”), este passou o Corolla.


No caso do Fusion, no Brasil sempre foi o contrário, já que o Ford foi líder por muitos anos e, na época de sua chegada, veio a preços muito competitivos, em um segmento quase inexistente no país. Foi um claro avanço sobre o Mondeo (ao menos em sucesso, em outros quesitos fica para discussão em algum fórum ou site automotivo), já que o acordo-gambiarra com o México permitia que o Fusion fosse importado daquele país sem pagar um imposto de importação adicional, que era pago quando em seu lugar estava o Mondeo, que vinha da Bélgica. Brasil, como sempre acometido pelo protecionismo, insegurança jurídica e uma moeda com qualidade precária, fazic om que esses carros (caros) tivessem oferta escassa.


Mas ela não teria essa vida sossegada em solos americanos. E é isso que falaremos adiante.


Antes de falarmos sobre o que aconteceu depois do estouro da crise, vamos a um fato aterrorizante:


- General Motors e Toyota venderam 9,37 milhões de veículos ao redor do mundo (cada uma), em 2007. Só que a diferença foi o seguinte: nessas vendas, Toyota ganhou US$ 17,1 bilhões. General Motors perdeu US$ 38,7 bilhões.



Após a crise de 2008 estourar, as fabricantes americanas foram pedir por mais alívios, obviamente com envolvimento do UAW.


O resultado: o governo simplesmente torrou bilhões de dólares com as corporações incompetentes durante anos (aqui conta toda a novela envolvendo a "banda de choro" montada por elas). A Ford foi mais esperta e conseguiu cortar seus custos (apesar que sairia dela um Focus bastante esquisito, algo que nem a Ford da Argentina chegou a tentar), então não usando desse dinheiro suado dos pagadores de impostos, como fizeram a GM e a Chrysler, apesar de ainda ter usado o dinheiro de empréstimos que o governo havia cedido anos antes.


Anos depois a Chrysler se envolveria em um esquema esquisito e seria comprada pela Fiat, já no governo Obama, em 2011, se chamando então como grupo FCA: Fiat Chrysler Automobiles. Nesse mesmo ano, a Ford finalmente se livraria da Mercury e de parte daquela linha confusa e desnecessária de carros.


Para deixar ainda mais evidente essa decadência, veja como a fatia de mercado das Big Three foi só caindo ao longo das décadas. Veja esse gráfico abaixo (foi o que encontrei, perdoem-me pela qualidade da imagem do gráfico):


Imagem mostrando fatia das fabricantes nos Estados Unidos e a procura por veículos comerciais e carros das marcas americanas. Fonte disponibilizada na própria imagem.


Em 2018, uma mudança drástica em como o cenário estava diferente naquele competitivo mercado de automóveis (a publicação original pode ser conferida aqui). Apresento-lhes dois gráficos:


Marcas com maior número de vendas no mercado americano em 2018


Os veículos mais vendidos (note que as Big Three continuam liderando nas picapes):


Veículos mais vendidos nos Estados Unidos no ano de 2018



Ao analisar os gráficos acima, podemos analisar que:


- As marcas americanas continuam liderando no segmento de picapes. Como já dito, a Ford F-150 e suas derivadas lideram há décadas no país. Como elas já conhecem bem esse segmento (melhor do que em carros menores), então elas continuam na liderança. Elas oferecem confiabilidade, variadas opções de motores e cabines e capacidade de carga superiores às das concorrentes. Nas picapes menores, entretanto, quem lidera é a Toyota Tacoma. Em utilitários de maior porte as marcas americanas também vão bem nas vendas.


- Uma tendência sem data definida para acabar (afinal as demandas dos consumidores nunca são estáticas), os utilitários pequenos já passaram os carros “comuns” em números de vendas (sim, um Honda CR-V é considerado pequeno aqui). Décadas atrás, peruas gigantescas com motores V8 eram apreciadas pelas famílias americanas.


- Honda Civic está vendendo mais que o irmão maior Accord, sendo que o normal sempre foi o contrário. Isso começou em 2015, quando o Civic chegaria na nova e atual décima geração.


Não obstante os subsídios generosos (ou talvez por causa dele) a Chrysler hoje tem em sua reputação a baixa confiabilidade (e histórico, mesmo antes de ser comprada pela Fiat) em certos carros (embora ela vá bem nos modelos 300 e Charger). Nos anos recentes, a marca lançou na sua linha de carros o Dart (da Dodge) e o 200 (da Chrysler). Bonitos eles eram, mas não eram nada confiáveis. Tanto o Dart quanto o 200. Sim, eles eram basicamente o mesmo carro, algo que a marca pelo jeito não havia aprendido mesmo depois da (segunda) falência iminente.


O Dodge Avenger, antecessor do Dart, tinha simplesmente um interior tão medonho que a falta de qualidade podia ser notada só pelas fotos (apenas veja a prova), o que foi criticado até pela imprensa britânica.

Só para sermos justos, a GM teve melhoras significativas após esse período. Mas não podemos dizer que foi por causa do governo, mas apesar dele. Felizmente (ao contrário do Brasil, onde ainda temos carros de qualidade questionáveis como Onix, Spin e Cobalt), pelo fato de o mercado americano ser muito competitivo (poderia ser mais se a importação de carros fosse ainda mais flexibilizada), ela passou a oferecer carros com projetos originários de outras partes do mundo, mais globalizados.


O Chevrolet Spark e Sonic, por exemplo, vieram originalmente de um projeto sul-coreano. O Cruze vide, e hoje usa a plataforma que é usada no Astra vendido no concorrido mercado europeu (embora hoje a Opel seja do PSA Groupe, não mais da GM). A Buick despachou as barcas envelhecidas e hoje oferece carros como o Regal (inclusive o hatchback), que nada mais é que o Opel Insignia alemão com outra logomarca (sim, ele vem da Alemanha).


Esse é o Buick Regal. Fonte disponibilizada na própria imagem.



Apesar de tudo isso, a Chevrolet não está indo como deveria nas suas vendas. No segmento de subcompactos, ela perde até para o Kia Rio. Com o Cruze a situação melhora, embora ele continue vendendo menos que o Nissan Sentra e o Hyundai Elantra...

Se esses modelos mencionados irão permanecer no mercado, é algo que dependerá das decisões dos consumidores e se a marca vai continuar sofrendo interferências de sindicatos e do governo.


Agora vamos à notícia sobre a Ford, voltando ao começo da primeira parte deste artigo (isso está se parecendo com um filme), coletando apenas as partes que serão de maior relevância para o artigo, do ano passado (as partes em negrito são minhas):


“- O plano da Ford em reduzir sua linha de carros de passeio em apenas dois modelos, e a dificuldade da GM em vender carros de passeio nos Estados Unidos mostram como os gostos estão indo em direção a caminhões e utilitários.


[...]


Ford disse na quarta-feira que irá oferecer somente dois novos carros na América do Norte nos próximos anos – seu icônico Mustang e o Focus Active, um hatchback de aparência rústica que já chegou na Europa, lembrando de certa forma o Subaru Crosstrek ou o Buick Regal TourX.


[...]


Muitos dos maiores sucessos da Fiat-Chrysler têm sido os utilitários nos últimos anos, evidenciados pelo crescimento de sua marca Jeep. ”



Ou seja, aquelas que foram as marcas que praticamente dominaram o mercado americano por décadas, simplesmente foram perdendo a sua relevância nesse segmento de veículos de passeio. Elas agora se deram conta - ao menos aparentemente -, e estão simplesmente cortando custos e investindo em recursos naquilo que lhes está dando lucro.


Como afirma Juan Ramón Rallo, economista, nesse artigo:


“Por isso, é um total equívoco imaginar que o capitalismo funciona primordialmente para beneficiar os produtores. Ao contrário: quem está no comando são os consumidores. Consumidores sempre estão interessados apenas em conseguir as melhores barganhas para si próprios. Eles não estão interessados em facilitar a vida dos empreendedores (e nem dos empregados destes empreendimentos).


Consequentemente, quem determina a sobrevivência de empresas, lucros, empregos e salários são os consumidores, e não os capitalistas. Os críticos do capitalismo jamais entenderam isso.

A Kodak, que por décadas reinou absoluta no mercado fotográfico, sucumbiu perante o surgimento das câmeras fotográficas digitais. Ela não soube adaptar seu modelo de negócios aos novos produtos que seus concorrentes haviam começado a oferecer de forma mais eficiente e com melhor custo-benefício do que a própria Kodak. A popularização dos smartphones e suas câmeras fotográficas cada vez melhores enterrou por vez a empresa, que pediu recuperação judicial em 2012.


A Nokia, que era onipresente no mercado de aparelhos celulares no início da década de 2000, sucumbiu ante a chegada dos smartphones. A multinacional finlandesa, que simplesmente dominou o comércio mundial de telefones celulares de primeira geração durante 13 anos, não foi capaz de bater os padrões de qualidade e funcionalidade dos novos aparelhos ofertados por outros fabricantes, como Apple e Samsung. Em 2007, a empresa ainda era a líder mundial na fabricação de celulares e detinha aproximadamente 40% do mercado mundial de telecomunicações. Em 2013, ela era apenas a 274.ª maior empresa mundial. ”


E é isso que está dentro do mercado, este um conjunto de constantes interações voluntárias entre os indivíduos, porque as demandas dos consumidores, como já dito, não são estáticas. A Economia apenas explica o que se vê e o que não se vê.


Em novembro de 2017 a Toyota dos EUA emitiu um alerta aos trabalhadores na tradicional fábrica em Kentucky, sobre haver a possibilidade de ela transferir a fabricação do Camry para o Japão, em Aichi. Se eles de fato transferirem para o Japão, os sonhos da UAW de obter um privilégio adicional ficarão ainda mais distantes (eles felizmente não interferiram nas instalações das fabricantes japonesas e sul-coreanas no país). O carro continua sendo feito no mercado doméstico até o que se sabe. E por sinal está muito interessante e competitivo (e muito imponente). Para o Brasil ele vem somente na versão com motor 3,5-litros V6 (versão de topo XLE), pela pechincha de R$ 206 mil (muito provavelmente depois da publicação desse artigo, o preço em algum momento irá subir novamente).


Apesar dos Estados Unidos continuarem com uma das mais baixas tarifas de importação do mundo, o risco de protecionismo voltar com Donald Trump existe, o que ele já demonstrou em algumas declarações (e recebeu essa de volta do Ministro da Economia da Alemanha à época). Apesar de ele ter sido feroz defensor dessa ideologia nociva aos pobres (que é o protecionismo), ele depois acabou expondo a hipocrisia na União Europeia. Bush e Obama também flertaram com o mercantilismo em algum grau (exposto neste artigo). Curiosamente, no ano passado, Trump reclamou sobre o sabor amargo que é o protecionismo no Brasil. Será que ele mudou de ideia?


Vamos resumir então o estrago:


(1º). As marcas americanas não tinham experiência com carros menores, algo que as marcas asiáticas já faziam há décadas. Demoraram para adquirir algum conhecimento em produzir carros eficientes e com qualidade.


(2º). Mas, para melhorarem essa nova categoria, elas precisariam investir. Mas com o UAW importunando, juntamente com novas regulações e impostos, novos investimentos em bens de capital melhores (o que resultaria em montagem e a utilização de materiais de acabamento melhores) simplesmente ficaram inviáveis.


(3º). E o caso da Chrysler é ainda pior porque, não apenas ela sofria com isso, mas foi simplesmente salva duas vezes pelo governo. Não tem como uma empresa ser eficiente sabendo que ela pode ser salva sempre que o executivo dela voar para Washington.


(4º). E ainda temos o Acordo de Bretton Woods, que simplesmente fez com que não compensasse mais (além dos fatores acima) investir nas indústrias domésticas, sabendo que o mais racional seria simplesmente trocar esses dólares impressos por bens importados, incluindo carros.



Estrago feito, agora não dá para revertê-lo. Mas dá para lidar com ele de maneira melhor. Ao invés de os executivos irem à Casa Branca para pedirem por mais subsídios, eles devem reclamar das distorções causadas pelo sindicalismo estatal, das regulações e da carga tributária crescente. Não faz sentido tentar amenizar distorções pedindo por outras distorções. Essa, por sinal, é uma ideologia que também é impregnada no Brasil e alguns que se dizem liberais as defendem.


Não posso deixar de mencionar novamente o Leandro Roque, nesse texto, onde ele afirma nesse trecho que:


“Se os custos de produção no Brasil são altos e estão inviabilizando até mesmo as indústrias eficientes, então isso é problema do Ministério da Economia, da Receita Federal e do Ministério do Trabalho [nota minha: alguns ministérios foram fundidos no governo Bolsonaro, então adaptei para os tempos atuais]. São eles que impõem tributos, regulamentações, burocracias e protegem sindicatos.

Não faz sentido combater estas monstruosidades criando novas monstruosidades.


Não faz sentido tolher os consumidores ou impor tarifas de importação para compensar a existência de impostos, de burocracia e de regulamentações sobre as indústrias. Isso é querer apagar o fogo com gasolina. ”



Seus pais talvez lhes disseram que ter dificuldades e mudanças fazem parte da vida humana. Mas isso é esquecido quando se envolve o estatismo, porque no fundo é uma grande ficção e que tenta distorcer a realidade, e que custa bem cara por sinal. E eu posso lhes dizer sem medo que, se a vida é dura, ela é mais dura ainda com o estatismo.


Quando a recessão chegar com força aqui nos EUA (e está próxima), esperemos que nenhum executivo voe para Washington para pedir de novo por socorro. E, se isso ocorrer, lembrem-se dessa frase abaixo, de Murray Rothbard:


“Sempre que surgir um grande empresário abraçando com entusiasmo e júbilo a parceria entre governo e empresas, senhoras e senhores, é bom ficarem de olho em suas carteiras – vocês estarão prestes a ser espoliados. ”



Que as fabricantes americanas voltem a ser grandes de novo, mas sem mexerem no meu bolso.



 

Referências interessantes:


 

ATENÇÃO! Este artigo não possui nenhum intuito publicitário, difamatório ou caluniador para com quaisquer pessoas físicas e/ou pessoas jurídicas e sim o principal objetivo de ser um artigo de Ciência Econômica e com elementos jornalísticos, além de refletir algumas opiniões do autor!

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