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Juros altos: 10 países que venceram a inflação

Atualizado: 16 de nov. de 2021

Por que ainda é tabu falar de elevação de juros?

Felipe Lange



Desde o fim do acordo de Bretton Woods, há 50 anos, os papéis flutuantes viraram quase regra no mundo, com algumas economias adotando regimes fixos ou atrelados, ou outras simplesmente sendo dolarizadas.


A ferramenta de subir juros para controlar a inflação de preços, embora seja nos dias de hoje uma coisa bastante clichê, é relativamente recente na história monetária ao longo da civilização humana. Com a recente reversão da política monetária atual do Banco Central do Brasil, deveremos ver algo disso em breve, caso seguirem à risca a meta de inflação (afinal de jure eles são autônomos).


Neste artigo, listarei dez países ao redor do globo que usaram dessa política monetária (que é conhecida como hawkish) e obtiveram os resultados pretendidos.



Alemanha


Após dois períodos traumáticos de hiperinflação até o início da segunda metade do século XX, os germânicos superaram esse flagelo, utilizando uma das moedas mais poderosas do mundo à época: o marco alemão, emitida pelo Deutsche Bundesbank.


Todavia, como em quase todo o mundo, o país sofreu com uma forte inflação após a quebra do acordo de Bretton Woods. Com isso, o seu índice de preços saltou para aproximados 8 %, algo considerado pornográfico para os alemães. Com isso, o banco central local teve de dar duas "pancadas" nos juros: uma que se iniciou em setembro de 1972 e se encerrou em junho de 1973 (elevando de 4 para 9 % a taxa básica de juros) e outra em dezembro de 1978 a maio de 1980, com uma elevação de 600 pontos base, de 3,5 para 9,5 % anuais. Com a inflação finalmente derrotada, o povo do país voltaria a vivenciar níveis bastante baixos em toda a década de 1980, tendo de reiniciar um ciclo de reaperto monetário com a reunificação do país, no início dos anos 90. Agora o desafio voltou, com a inflação de preços atingindo, nesse mês de setembro de 2021, 4,5 % (maiores valores desde agosto de 1993).


Taxa de juros (linha azul) vs inflação de preços (linha roxa), valores anuais, Alemanha: 18/11/1970 - 31/12/1990



Rússia


Em 2014, o país sofreria um duro golpe: após Vladimir Putin mandar invadir a Criméia, a economia russa sofreria sanções da União Europeia e Estados Unidos. Até hoje o país está sofrendo sanções econômicas, tanto do governo americano quanto da Comunidade Europeia. Politicamente, as sanções são boas tanto para os governos que as impõem, quanto para os governos que são atingidos (haja vista que o Putin está no poder até hoje). Economicamente, todavia, é péssimo: o rublo russo, que esteve tendo um desempenho mediano na década de 2000, sofreu bastante à partir de 2014.


Com as sanções, as companhias de petróleo russas não puderam mais rolar suas dívidas, forçando-as a trocar os rublos por dólares. Houve uma maciça fuga para o dólar americano (com uma fuga de capitais maior do que a ocorrida na Crise Russa de 1998). Diante de tudo isso, a demanda pelo rublo despencou. Em pouquíssimo tempo, a moeda afundou.


Taxa de câmbio rublo russo/dólar americano (desempenho), 01/01/2014 a 01/03/2016.



A inflação de preços, que estava em 6,08 % anuais em janeiro de 2014, chegou a 16,93 % em março de 2015.


Incumbiu então à presidente do Tsentral'nyy bank Rossiyskoy Federatsii (ou Banco Central da Federação Russa), Elvira Nabiullina, a tarefa de diminuir a inflação.


Quando ela assumiu, os juros no país estavam em 5,25 % anuais. E então, à partir de fevereiro de 2014, começou-se um ciclo de aperto monetário, o qual se encerraria em dezembro de 2014: os juros foram de 5,25 para 17 % anuais. O banco central também interveio menos no câmbio (deixando-o flutuar mais), para evitar apostas contra o rublo pelos agentes do mercado financeiro. Com isso, o agregado M1 ficou estável. A compra de ouro pelo banco central para compor suas reservas, a qual estava acontecendo desde 2008, se intensificou ainda mais. O fundo soberano do país também diversificou seus ativos recentemente, trocando dólares por ouro em seu portifólio.


A inflação de preços despencou: chegou a históricos 2,18 % em fevereiro de 2018 (menor valor na história da Federação Russa). Com a volta da inflação nos últimos meses desse ano de 2021, todavia, o banco central do país iniciou um outro ciclo de elevação dos juros. Se o rublo não voltou aos patamares de antes de 2014, ele conseguiu se estabilizar.


Ela está no banco central até hoje e foi conselheira do governo Putin. Entre algumas das medidas feitas, estão a desburocratização de importação e exportação.



Japão


Hoje com uma taxa surreal de juros de - 0,10 % anuais, houve uma época em que a política monetária no país era diferente.


Como foi com os alemães, a década de 1970 atingiu os japoneses com uma inflação alta para os padrões locais: 24,9 % anuais em fevereiro de 1974. Naquela década o Banco Central do Japão havia já elevado os juros. Todavia, após a taxa básica de juros ter recuado, a inflação voltou a incomodar. E então os juros, que em abril de 1979 estavam em 3,5 %, ao longo de seguidos aumentos, chegaram a 9 %, em março de 1980. Com isso, a inflação virou deflação: - 1,1 % anuais em janeiro de 1987.



Paraguai


Um pequenino país, com um setor grande também de commodities agrícolas, onde o dólar americano é bem-vindo.


A inflação de preços paraguaia chegou a 1,1 % em julho de 2009 (anuais), valores bastante baixos e que o vizinho Brasil nunca chegou perto, nem nos melhores momentos do Plano Real. Todavia, tal tendência se reverteu à partir do fim de 2009, chegando aos valores de pico em 10,3 %, em março de 2011. Em 4 novembro de 2010, os juros estavam em apenas 3,5 % anuais. Após essa data, houve seguidos aumentos nas taxas de juros, chegando ao pico de 8,5 % anuais em 7 de agosto de 2011. Em sete reuniões, um aumento de 500 pontos base.


O índice de preços despencou: chegou a apenas 0,9 % em maio de 2013. Os preços no país se mantiveram relativamente estáveis nos anos seguintes, com exceção da recente disparada nos preços nesse ano de 2021.



Filipinas


Muito mais do que o autoritarismo de Rodrigo Duterte, esse arquipélago também sofreu bastante com a Crise Asiática de 1997, já que a sua moeda, o peso filipino, também foi atingida pelos ataques especulativos e com o fim do regime atrelado-fixo. Após a crise e com a moeda agora operando sob câmbio flutuante, as coisas aparentemente se estabilizaram.


Todavia, à partir de janeiro de 2000, a inflação de preços começaria a importunar. Naquele mês, estava em 5,5 % anuais. Em dezembro, já estava em 8,7 %. Antes mesmo de a inflação chegar nesse pico, o Bangko Sentral ng Pilipinas (ou Banco Central das Filipinas) começou a elevar os juros.


Em maio de 2000, os juros básicos estavam em 8,75 % anuais. Em novembro daquele ano, já estavam em 15 %. Em apenas quatro reuniões, houve uma elevação de 625 pontos base. A inflação, após o pico de 8,7 % em dezembro, chegou a 1,9 % em janeiro de 2003. Adotando o regime de metas de inflação em 2002 de maneira formal, o banco central do país possui autonomia há alguns anos e, desde 2002, a meta de inflação tem oscilado entre 4 e 5 % anuais.



Estados Unidos


Você muito provavelmente já conhece sobre a ação vigorosa de Paul Volcker em conter a carestia na década de 1980. Mas esse não é o caso. O relatado aqui foi algo acontecido antes: após o fim da Primeira Guerra Mundial.


Com a criação do Federal Reserve System em 1913, o governo americano usou isso como uma máquina de expansão monetária, para financiar as aventuras militares na Primeira Guerra Mundial. Com isso, a inflação de preços explodiu: chegou a 23,7 % anuais em junho de 1920. A taxa de juros à época estava em 3,75 %. Então, à partir de dezembro de 1917, houve uma sequência de elevações: os juros chegaram a 7 %, em junho de 1920.


O sucessor de Wilson, Warren Harding, fez uma verdadeira liquidação: cortou os gastos e impostos de renda para todas as faixas, reduzindo ainda a dívida governamental em 33 %.


A solução não foi indolor: houve uma forte deflação de preços, chegando a passar de 10 %. Aquela recessão de 1920 foi a última na qual o governo americano não se intrometeu, durando menos de 2 anos. Não por acaso, aquela década foi uma década de forte prosperidade para os americanos, com crescimento econômico e baixíssimo desemprego, apesar da baixíssima inflação (e vários anos de deflação). Infelizmente Hoover e Roosevelt estragariam tudo.



Chile


Após a Crise de 2008, a economia chilena sofreu uma forte deflação de preços, chegando a - 3,1 % anuais em outubro de 2009. Com isso, o Banco Central de Chile se viu incentivado a praticar juros baixíssimos: apenas 0,5 %. Só que, como não há agregado monetário grátis, a inflação de preços ressurgiu, chegando a 4,4 % em dezembro de 2011. Ao primeiro sinal de inflação, o banco central começaria a elevar os juros. Assim, de junho de 2010 a junho de 2011, os juros saltaram em 500 pontos base, indo para 5,25 %. Com isso, a inflação chegou a 0,9 % em maio de 2013. Meses depois, o problema voltaria, mas o banco central conseguiu atingir a meta em ciclos falconistas mais suaves. Atualmente a meta de inflação do país é de 3 % (1 p.p. +/-).



Itália


Como toda a Europa, a Itália sofreu com o Choque de Nixon. Durante quase toda a década de 1970, a inflação passava dos 10 % anuais, chegando a 25,64 % em novembro de 1974.


Para acabar com isso, o novo presidente do Banca d'Italia, Carlo Azeglio Ciampi, começou a elevar os juros em outubro de 1979. Os juros que, de início, estavam em 10,5 % ao ano, saltaram para 19 %, em março de 1981. Houve então uma queda contínua no índice de preços, chegando à mínima de 4,28 % em março de 1987, ainda que longe dos padrões germânicos. O país, apesar disso, cresceu bastante, a ponto de ter passado o Reino Unido entre as maiores economias do mundo, dando origem ao termo "Il sorpasso" (algo como "superando").


Em 1993, o sucessor de Ciampi, Antonio Fazio, utilizaria uma ferramenta monetária menos falconista. Na mesma época, o país de língua latina passaria por algumas reformas, fazendo com que ele ganhasse uma pontuação de país com economia majoritariamente livre. Nessa década, a inflação chegaria à mínima de 1,29 %, em junho de 1999. O chamado Pacto da Estabilidade e do Crescimento amarrou um pouco as mãos do governo italiano. No dia 1º de janeiro 2002, o país passaria a usar o euro e a lira italiana se despediria, em definitivo, no dia 28 de fevereiro de 2002.


Se hoje o país perdeu o status de potência econômica como décadas atrás, ao menos hoje os italianos vivem com uma inflação bastante baixa, mesmo nos tempos mais recentes de inflação mundial.



Iraque


O albank almarkaziu aleiraqiu‎ (sim, na língua árabe não há letras maiúsculas; tradução para Banco Central do Iraque) existe desde 1947, sendo que o dinar iraquiano é também bastante antigo: nascido em 1932. Até 1959, tinha a libra esterlina como moeda âncora, posteriormente trazendo o dólar americano como substituto para a moeda britânica.


Até o início das aventuras militares de Hussein e sua turma contra os rivais iranianos (o que se iniciaria em 1979), havia uma relativa estabilidade de preços no país, melhor do que em muitos países (inclusive o Brasil).


Com a queda de Hussein e invasão das tropas americanas (após 2003), o país vivenciaria mais instabilidades, com insurgências de todos os lados e muita baderna. Sob intervenção americana, quem gerenciaria o banco central seria Sinan Al Shabibi. Ainda que sem hiperinflação, o país vivenciaria um índice de preços bastante alto, chegando ao pico de 76,55 % em agosto de 2006.


Em dezembro de 2005, os juros estavam em 7 %. Dois anos depois, 20 %. Um aumento de 1300 pontos base. Ao mesmo tempo, o banco central buscou uma valorização do dinar ante a moeda americana, mas com fundamentos: as reservas internacionais explodiram. Para honrar a lei islâmica shariah² (que defende o padrão-ouro), o banco central acumulou reservas de ouro aos montes, que estão em quase 100 toneladas (perto do Brasil, uma economia muito maior que a iraquiana).


Tudo isso, aliado à redução do endividamento (de 344 % do PIB para 68,3 % do PIB em 2020), fez com que a inflação de preços caísse com uma rapidez impressionante, chegando a ter vários meses de deflação em 2009. Desde então, o país vivenciou por vários anos com preços estáveis (ou mesmo em queda). Isso foi auxiliado pelo M1, que ficou paralisado entre os anos de 2013 e início de 2019. De 2019 em diante, o M1 voltou a subir forte, que é o que explica o motivo de a inflação iraquiana estar voltando a incomodar nos últimos meses.


Com fartas reservas, é fácil para o banco central do país fixar a sua taxa cambial.


M1 iraquiano, dezembro de 2003 a agosto de 2021 (em bilhões de dinares iraquianos).



Uganda


O pequeno país africano, marcado por grandes instabilidades institucionais e políticas (e com um setor de agricultura bastante abrangente), estava sofrendo com uma inflação alta: 24,5 %, em novembro de 2011. Em junho de 2011, os juros já estavam em 13 %.


Quem foi incumbido ao papel foi o decano Emmanuel Tumusiime-Mutebile, presidente do Banco da Uganda (o banco central do país), que está no comando desde 2001 (e deverá ficar até 2026).


Apesar da ditadura (afinal o atual presidente está desde 1986 no poder, em um quinto mandato), o banqueiro central seguiu à risca a sua dureza monetária, apesar de pressões contrárias à ponto de, quando foi pressionado para reduzir os juros básicos, ele simplesmente respondeu: "Vá para os bancos que cobram menores taxas".


Então, em apenas 5 meses, houve uma verdadeira pancada: os juros foram de 13 para 23 %, em novembro de 2011. A dureza monetária foi tamanha que o M1 não apenas reduziu o seu ritmo de crescimento, como ele caiu, conforme mostra o gráfico abaixo:


M1, janeiro de 2010 a janeiro de 2014.



A queda na inflação foi brutal: chegou a apenas 1,4 % em outubro de 2014 (em relação a outubro de 2013).


Em cenário de inflação mundial, é ainda mais surpreendente que o país continue com um índice de preços baixo (para esse mês de outubro, 1,9 %). As reservas internacionais crescentes também ajudam em despertar confiança


A moeda, o xelim de Uganda, está no país desde 1987 e nos dias atuais opera sob regime flutuante, com a taxa cambial estando em patamares próximos aos de 6 de julho de 2015. Outras moedas são comumente aceitas no país, como dólar americano, euro e libra esterlina.



Conclusão


Embora a ferramenta de elevar os juros seja a mais dolorosa e lenta para se combater uma carestia, esses dez países acima demonstram de que, independentemente do regime político e da renda per capita, é possível domar uma inflação de preços, desde que se busque uma política monetária rígida e deixe isso com clareza aos agentes econômicos, incluindo investidores estrangeiros. Já que há um banco central¹ com moeda própria e de curso forçado (e que prefere controlar os juros do que o câmbio, como faz Singapura), então é óbvio de que o mínimo que se deve fazer é controlar a carestia da melhor maneira possível.


 

Imagem de abertura: Fonte pode ser conferida aqui. Foto de Paul Volcker, ex-presidente do Federal Reserve System, fumando um charuto.


 

Nota:


¹ Banco Central é aceito em quase todas as escolas de pensamento econômico (keynesianismo, chicaguismo, neoclássicos, etc.), exceto para a Escola Austríaca. Para saber mais sobre isso, ver: "Por que o Banco Central é a raiz de todos os males".


² Para deixar claro, o autor do artigo não defende, de maneira alguma, o islamismo. A menção foi apenas uma curiosidade.

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