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Caixa de Conversão (1906-1913)

Atualizado: 6 de ago. de 2022

Padrão-ouro de Taubaté

Felipe Lange


Usualmente, muitas são as pessoas que pensam que o atual arranjo monetário (papéis flutuantes sem lastro em ouro) é uma coisa que sempre existiu, como se já existisse um esquema de se criar dinheiro do nada por meros dígitos eletrônicos nos tempos do denarius. Se eu imprimisse uma cédula chamada "Felipe" para os romanos e oferecesse isso em troca de azeite, muito provavelmente eles iriam falar que eu sou louco.


O Brasil Colônia era muito mais do que uma mera economia de subsistência: apesar das proibições da Coroa Portuguesa, os empreendimentos fluíam das grandes cidades até os locais mais distantes. Como as moedas cunhadas de ouro (tanto no País quanto as que entravam por colonizadores neerlandeses e portugueses) não davam conta das necessidades locais, outros meios de troca eram usados, tais como fumo, açúcar e pau-brasil.



Economia brasileira nos primeiros anos republicanos


Os primeiros anos da República foram bastante turbulentos: a quantidade de papel-moeda em circulação explodiu (em 1890 houve um aumento de 51,6 % em relação ao ano anterior), os déficits subiram na ordem de 91,41 % (entre 1890 e 1900) [2], este último um resultado da forte expansão monetária causada pelo chamado Encilhamento: à grosso modo, uma expansão em papel-moeda sem o lastro devido em ouro (sim, existia algum lastro em ouro). Os bancos comerciais também emitiam papel-moeda lastreado em títulos governamentais. Com isso, muitos investimentos artificiais foram viabilizados, com bolhas especulativas e preços de ações disparando. O resultado é que a economia brasileira ficou praticamente estagnada entre 1890 e 1900, evidenciando de que a "década perdida" não era um fenômeno exatamente novo para os brasileiros. O ajuste começaria somente no governo Campos Sales, entre os anos 1898 e 1902, deixando a economia relativamente arrumada para os sucessores.



Sabia que isso tem a ver com o Convênio de Taubaté?


Desde a inauguração da chamada "política dos governadores" que garantia a alternância de poder das oligarquias de Minas Gerais e São Paulo para a presidência da República, grupos de interesse se organizaram e faziam pressões políticas em prol dos próprios benefícios (algo que acontece até hoje, ainda que com algumas características distintas).


Os cafeicultores paulistas não queriam vender as suas commodities para o mercado internacional por preços decrescentes e voláteis e, então, surgiram inúmeras ideias de se atacar o alegado problema na baixa do preço do café (assim como na sua volatilidade). Havia uma demanda por alguma garantia por parte do governo.


Um dos arquitetos do plano fora Augusto Ferreira Ramos, um engenheiro que decidiu misturar Estatística com aspectos econômicos tais como o preço do café, tentando fazer previsões sobre como deveria ser feito o plantio, baseado em estimativas futuras estatísticas, tendo errado por várias vezes as suas previsões. Houve também propostas bastante bizarras à época, como a do deputado Rubião Júnior, que apresentou uma que dispunha sobre cobrar impostos a cada novo plantio de cafezal. Com muita discussão, o tal convênio foi aprovado em 1906. Grosso modo, o esquema envolveria o governo comprando sacas de café dos produtores paulistas, não deixando com que o preço deles caísse (para mais detalhes, ver este artigo). Os pagadores de impostos bancaram a farra.


Todavia, junto com o Convênio de Taubaté, haviam discussões acerca da adoção de uma agência de conversão, com um câmbio fixo. Isso porque o nosso irmão argentino estava operando um Currency Board desde 1890, tendo apresentado resultados muito bons (tanto que a Argentina estava entre os países mais ricos do mundo). Além disso, a estabilidade cambial iria trazer benefícios aos próprios exportadores, tanto os de café quanto os de borracha, as duas commodities mais exportadas do país à época. Isso porque agora o câmbio não iria se valorizar, já que estaria a um valor fixo, o que poderia incomodar os mercantilistas.


O nome em Português brasileiro já existia para o que seria o Currency Board: Caixa de Conversão. Todavia, a "caixa" teria que ser criada por uma lei, tendo de ser aprovada na Câmara e no Senado. Como de praxe na política, houve oposição, mas por motivos bastante interessantes.


Um dos opositores fora o deputado Paulino de Souza. O que é um choque para os tempos atuais, o Paulino era defensor aberto de uma moeda forte pois, segundo ele, uma moeda em fortalecimento diminui os custos de produção das indústrias e melhora o padrão de vida dos operários. Assim, ele se opunha por defender que a moeda possa se fortalecer e não tendo uma taxa cambial fixa. Pela lei, a taxa cambial seria desvalorizada, e assim tendo um valor fixo.


No dia 8 de outubro de 1906, então, a Caixa de Conversão foi aprovada (tanto no Senado quanto na Câmara) por 115 votos. Foram 25 votos contrários.



Como funcionava


Com a lei aprovada, mil-réis (que era o padrão monetário brasileiro usado na época) então passaria à taxa de câmbio de 15 pence (ou 15 centavos de libra esterlina) ao se procurar a Caixa. Como uma libra esterlina equivalia a 0,2435 de onça troy de ouro (ou 7,57 gramas), mil-réis valeria 0,5 grama de ouro. Nessa época, as moedas nacionais eram meramente denominações de peso em ouro: o dólar, por exemplo, era 1/20 de uma onça troy de ouro, ao passo que um iene japonês era 0,75 grama de ouro.


Além desse novo padrão monetário, as moedas estrangeiras poderiam entrar no país: moedas como a libra esterlina (a moeda internacional de troca da época), lira italiana, goldmark (marco alemão) e franco francês. E então elas seriam trocadas na Caixa de Conversão por bilhetes, que eram os títulos comprovando o valor do ouro.


Apesar do câmbio fixo, havia ainda o mercado de câmbio cujas taxas variavam fora dos 15 pence por mil-réis. Em situações onde a taxa de câmbio no mercado esteja abaixo dos 15 pence, haveria então a possibilidade de se ganhar por arbitragem, trocando os bilhetes da Caixa de Conversão por ouro, vendendo o metal no mercado livre.


O Banco do Brasil, então, operava para conter isso, comprando e vendendo ouro, através de suas operações da Carteira de Câmbio. Isso era feito se veiculando a compra e venda cambiais do Tesouro, de maneira uniforme, durante o ano todo.


No decreto da Caixa de Conversão, o limite de emissões seria de 320 mil contos de réis (conto de réis é um milhão de réis, ou Rs 1:000$000, ao passo que mil-réis é representado por Rs 1$000).


Como as reservas internacionais estavam em franca expansão graças ao sucesso do programa, essa meta alcançava já em 1910, com o presidente à época sendo Hermes da Fonseca, sobrinho de Manuel Deodoro da Fonseca. Ele então subiu o limite de 320 mil contos de réis para 900 mil contos de réis. Tal medida foi feita via Decreto nº 2357 de 31/12/1910. A taxa cambial passaria a ser de agora 16 pence por mil-réis.


Gráfico 1. Taxa de câmbio praticada no mercado livre do Rio de Janeiro. Fonte: Repertório estatístico do Brasil, quadros retrospectivos n° 1, separata do anuário estatístico do Brasil - Ano V - 1939/1940. IBGE. Elaboração própria do gráfico.



Gráfico 2. Fonte: ONODY, O. A inflação brasileira (1820-1958). [s.l: s.n.]. Elaboração própria do gráfico.



Resultados


Apesar de os índices de preços terem se comportado muito bem já no governo Campos Sales (chegando a apresentar deflação de preços), algo parecido ocorreria com o regime da "Caixa".


Segundo o livro "A Inflação brasileira : 1820-1958" (Ónody, 1960), o índice de preços (que no caso era denominado como "índice do custo de vida") chegou a sofrer uma deflação: se em 1900 esse índice estava em 460, em 1912 o índice caiu para 455, uma variação de - 1,1 % ante 1900. Já em 1913, com o regime em vigor, houve uma inflação de preços de apenas 2 % (em relação ao ano anterior) e, em 1914, ocorreu uma deflação de preços em - 5 % (ante ano anterior).


Gráfico 3. Fonte: Repertório estatístico do Brasil, quadros retrospectivos n° 1, separata do anuário estatístico do Brasil - Ano V - 1939/1940. IBGE. Elaboração própria do gráfico.



Apesar das intenções inicialmente mercantilistas do câmbio fixo, tanto as exportações quanto as importações subiram, embora tenha havido um superávit na balança comercial em todos os anos, com exceção do ano de 1913.


Variação do PIB per capita, 1905 a 1913, ajustado para inflação e diferenças de preços entre países, mensurado em dólares de 2011.



De 1905 a 1913, houve um crescimento na renda na ordem de 13,08 %. Levando-se em conta de que o PIB (mesmo o per capita) sofre grande influência de gastos governamentais e expansão monetária, a renda real subiu muito mais, pois nessa época o governo se contentava com sete ministérios e grande parte da tributação vinha das importações (pouco mais de 50 % do total das coletas de impostos). Além disso, o índice de preços, se não ficava em terreno negativo, na pior das hipóteses mal passava de 2 % anuais.


Levando-se em conta de que a economia brasileira já era amarrada com tarifas de importação altíssimas, infraestrutura precária, subsídios, controles de preços e obstáculos à livre iniciativa, não se pode dizer de que o crescimento no País foi pífio.


Se não foi um crescimento explosivo como no Chile, o país cresceu mais que os Estados Unidos, a Argentina e o Reino Unido, ainda que estes países já fossem considerados desenvolvidos à época.


Em oito anos (1905 a 1913), o PIB brasileiro cresceu 33,78 %. Ao passo que em 1905 o PIB estava em US$ 18,5 bilhões, 8 anos depois já chegara a US$ 24,75 bilhões (dólares de 2011, na mesma metodologia do gráfico do PIB per capita).


Como são variáveis que influenciam no PIB, os investimentos também cresceram, indo de infraestrutura ferroviária (CASTELAR PINHEIRO, Armando et al., 2004) até o setor de geração de energia elétrica (que na época não era tão controlado quanto hoje), este último tendo crescido na ordem de 30 vezes, por investimentos estrangeiros. Assim, o setor industrial também se beneficiou, com maior aquisição de bens de capital, possibilitando maiores níveis de produtividade. Segundo o historiador Warren Dean, a indústria paulista cresceu à uma taxa de 9,5 % ao ano entre os anos de 1905 e 1915, o que é bastante notável (hoje em dia a indústria está em retração).


Chama a atenção a chamada formação bruta de capital fixo, que mensura a ampliação da capacidade produtiva de uma determinada economia, medindo investimentos em ativos tais como máquinas e equipamentos (i.e. bens de capital). Houve uma verdadeira explosão (o primeiro ano registrado foi de 1908):


Gráfico 4. Fonte: Sistema de contas nacionais consolidadas, IBGE. Elaboração própria do gráfico.



Essa incrível cifra de 26,89 % é a maior já registrada na série histórica, o que é particularmente impressionante.


À época, o maior "parceiro comercial" do Brasil era o continente europeu, notavelmente a França e o Reino Unido, potências naqueles tempos de belle époque.


Apesar do Pânico de 1907 (causado pelo sistema de reservas fracionárias), a economia brasileira logo se recuperou em 1909, voltando a operar normalmente e em crescimento.


Entretanto, o orçamento do governo começou a incomodar à partir de 1908, quando os déficits estavam em valores cada vez maiores:


Gráfico 5. Fonte: Repertório estatístico do Brasil, quadros retrospectivos n° 1, separata do anuário estatístico do Brasil - Ano V - 1939/1940. IBGE. Elaboração própria do gráfico.



Por que o arranjo acabou?


Com o Convênio de Taubaté, os governos estavam gastando quantias consideráveis de recursos para subsidiar o setor cafeicultor. O governo paulista contraía empréstimos junto ao estrangeiro para sustentar o arranjo mercantilista. Em 1907, o governo federal também entrava no esquema, servindo como garantidor dos empréstimos paulistas. Como o governo criava uma demanda artificial, a produção de café explodiu. Isso não duraria para sempre.


No ano de 1912, 950 mil sacas de cafés estocadas em Nova Iorque foram embargadas pelas autoridades americanas, dentro de uma ação antitruste movida contra o Brasil. Em 16 de janeiro de 1913 (H. B. FRANCO, Gustavo et al., 2011) o comitê de dívida londrino vendeu os estoques de café, fazendo os seus preços caírem. A borracha, commodity extremamente relevante para a economia brasileira à época¹, também sofreria queda de preços na ordem de 57,07 %.


Em 1913, ocorreria uma forte contração monetária, com uma queda de - 10,6 % na quantidade de papel-moeda em circulação (conforme mostra o gráfico 2), o que ocorreria naturalmente dado o funcionamento da Caixa de Conversão. O governo Hermes da Fonseca ficou apavorado e buscou um empréstimo em £ 2 milhões para tentar interromper a contração nas emissões da Caixa. Em setembro, a família Rothschild (que na época não era apenas um palco de teorias conspiratórias) chegou a enviar uma comitiva para a capital federal, com a finalidade de avaliar a capacidade de pagamento do País. No segundo semestre, o governo iniciou uma renegociação da dívida, o que foi obtido após várias conversas com um acordo de reestruturação e amortização da dívida.


Como na década de 1980, uma parte enorme da dívida federal vinha de fontes externas. No início do século XX, muitos foram os empréstimos contraídos para o financiamento de obras de infraestrutura. De certa forma, os credores contavam com o bom desempenho das exportações de matérias-primas que o Brasil fazia à época.


Já no começo de 1914, diante da queda dos preços da borracha, o governo do Pará declarou moratória sobre os empréstimos franceses, o que acabou contaminando os demais títulos brasileiros, apesar de não ter sido de responsabilidade do governo federal. No dia 27 de julho, as negociações da dívida externa federal foram interrompidas, sendo aquele dia a véspera da eclosão da Primeira Guerra Mundial (o que seria um verdadeiro "grande reinício" no mundo).


O pagamento do serviço da dívida externa foi suspenso no dia 1º de agosto. Com a elevação da demanda por moeda estrangeira diante da situação do setor externo (e fuga de ouro do país), o governo ordenou o fechamento das operações da Caixa de Conversão.


Com a guerra em início, o fluxo de capitais foi severamente afetado em todos os países latino-americanos. Vários governos simplesmente desistiram do padrão-ouro clássico e inventaram de emitir moeda sem lastro para ajudar a custear o esforço de guerra, o que obviamente fez a inflação de preços disparar. Os americanos estiveram entre os únicos a não terem saído do arranjo, o que certamente contribuiu para o forte desenvolvimento da economia nos anos 1920. Em países como a Alemanha, o governo alemão tomou caminhos bastante dramáticos.


Como o governo brasileiro tinha um histórico não-belicista desde pelo menos o fim da Guerra do Paraguai (houve declaração de guerra somente em outubro de 1917, contra o Império Alemão), o seu breve envolvimento no conflito quase não atingiu os gastos militares. Apesar disso, com a forte queda nas importações, as receitas de impostos caíram, ao mesmo tempo em que os gastos aumentavam e haviam as dívidas a serem quitadas. De 1906 até 1914, os gastos governamentais cresceram 81,07 %. Consequentemente, o governo pegou um atalho e decidiu aumentar os itens inclusos no imposto de consumo, aumentando na prática a carga tributária.


Para piorar, o Vencesláu Brás (o sucessor de Hermes) começou a emitir mais papel-moeda e mais títulos governamentais, para financiar o descontrole fiscal. A sedução da senhoriagem parece ter atacado o presidente.


A libra esterlina, a moeda internacional de troca à época, acabou perdendo a ligação com o metal amarelo.²


Sem o arranjo cambial em funcionamento, o Brasil voltaria a ser assediado por altos índices de preços, com uma média de 17,6 % anuais nos anos de 1915 e 1916.


Em 1920 a Caixa de Conversão seria fundida à Caixa de Amortização (pelo decreto nº 14.066, de 19 de fevereiro de 1920), nesta década tendo uma nova tentativa de renascer o padrão-ouro, o que não será falado neste artigo.


Era o fim de uma oportunidade de ouro.



 

Referências e notas:


[1] CALDEIRA, Jorge. História da riqueza do Brasil. 1ª edição. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017.

[2] ONODY, O. A inflação brasileira (1820-1958). [s.l: s.n.].

[3] RIBEIRO DE OLIVEIRA, M. T.; FALCÃO SILVA, M. L. O Brasil no padrão-ouro: a Caixa de conversão de 1906-1914. História Econômica & História de Empresas, v. 4, n. 1, 18 jul. 2012.

[4] CASTELAR PINHEIRO, Armando; S. GILL, Indermit; SERVÉN, Luis; ROLAND THOMAS, Mark. Brazilian Economic Growth, 1900-2000: Lessons and policy implications. [S. l.: s. n.], 2004. 77 p. Disponível em: https://publications.iadb.org/publications/english/document/Brazilian-Economic-Growth-1900-2000-Lessons-and-Policy-Implications.pdf. Acesso em: 20 fev. 2022.

[5] FONSECA, Hermes da (PDF). Fundação Getúlio Vargas.

[6] DE PAIVA ABREU, Marcelo et al. A ordem do progresso: Cem anos de política econômica republicana 1889-1989. [S. l.]: Campus, 1995. 385 p.

[7] MADDISON, Angus. Brazilian Development Experience from 1500 to 1929. [s. l.], 1992.

[8] H. B. FRANCO, Gustavo et al. A economia da república velha, 1889-1930. In: H. B. FRANCO, Gustavo et al. História Contemporânea do Brasil: A Abertura, 1889-1930. [S. l.: s. n.], 2011. v. 3. Disponível em: http://www.econ.puc-rio.br/uploads/adm/trabalhos/files/td588.pdf. Acesso em: 20 fev. 2022.

[9] TAVARES BROWN, Leonardo. Nunca existiu um projeto de país. Sociedade Aberta, [s. l.], p. 0-0, 17 jul. 2018. Disponível em: https://www.sociedadeaberta.com.br/autor/leonardo-tavares-brown/nunca-existiu-um-projeto-de-pais.html#fnref:4. Acesso em: 22 fev. 2022.


² Para detalhes, ver o artigo "As crises monetárias mundiais"

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