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Bizarrices tributárias que nos mostram como funciona o estado

Foto do escritor: Felipe LangeFelipe Lange

O Brasil está entre os campeões em complexidade, mas temos exemplos esquisitos também mundo afora

Felipe Lange


Diante de tantas insanidades monetárias, fiscais e até mesmo sobre as liberdades individuais, fazer um compilado de fatos cômicos funciona como um alívio (mesmo que de maneira breve).


E, neste caso, vamos falar sobre os impostos. Mais do que uma espoliação legalizada, a sua natureza de formas de coleta e de taxação pode dar muita dor de cabeça às pessoas (até no sentido literal; Paulo Kogos certa vez disse que se o imposto de renda fosse abolido, não haveria tantos casos de problemas cardíacos, se não me falha a memória).


Se o Brasil em si continua campeão em complexidade tributária (na verdade fomos passados por países com situação pior), temos exemplos mundo afora tão esquisitos que parecem ter sido exportados daqui. Eis alguns deles.



1. Isenção de imposto de renda para escritores, jornalistas e professores


Apesar de Getúlio Vargas ter perseguido jornalistas e escritores, a Constituição de 1934, de seu governo, previa a isenção de imposto de renda para esses profissionais. De acordo com o número 36 do artigo 113:


"Nenhum imposto gravará diretamente a profissão de escritor, jornalista ou professor."


Eram tempos onde uma porcentagem muito menor da população pagava o imposto de renda.


Todavia, com a reforma tributária de 1964 do regime militar (lei nº 4.357 de 16 de julho de 1964), as isenções foram abolidas. Quatro anos depois seria criada a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil. Desde então a carga tributária brasileira só se fez aumentar com ainda mais rapidez do que antes.



2. Guerra comercial americana é antiga


A economia americana estava pujante nos anos 1960. Por consequência, a oferta de produtos e serviços só se fazia crescer. Entre esses produtos, está o frango, que passou a ser exportado a preços acessíveis para o continente europeu. Todavia, como de praxe, os mercantilistas da França e da Alemanha Ocidental decidiram impor tarifas de importação contra o frango americano.


O então Lyndon Johnson decidiu retaliar essas tarifas em 1964, impondo uma tarifa de importação de altos 25 % (ao menos para os padrões americanos) para veículos comerciais leves estrangeiros (que pela classificação americana possuem capacidade de carga de até 1815 kg). Essa tarifa ficou conhecida como o Chicken Tax (imposto do frango, em Inglês), algo que existe até hoje.


Como os produtores sempre se adaptam às brechas legislativas, uma prática se tornou comum nos EUA: os veículos vinham de um jeito para o país, e então depois eles eram desmontados e vendidos em outra configuração.


Exemplo foi o Ford Transit Connect: os modelos eram importados como modelos de passageiros (e pagavam as tarifas de importação de 2,5 %) e, ao chegarem nos EUA, eram então convertidos para furgões por uma empresa. Eventualmente, o Customs and Border Protection não gostou nada disso, decidindo em 2013 que todos os Transits seriam classificados como vans independentemente das brechas. A Ford entrou com uma ação e, apenas em 2020, a Suprema Corte negou os apelos da marca. Aqui você vê um pouco da história do imposto do frango. Caso você tiver atualizações sobre o caso, favor comentar abaixo que eu atualizarei.



3. Impostinho para residentes com mais luz solar.


O soberano William III da Inglaterra, com a ajuda do Parlamento criou, em 1696, o chamado Window Tax, cujo funcionamento era o seguinte: era um imposto de propriedade em que, de princípio, seria algo progressivo. A alíquota era de dois xelins ingleses para casas com até dez janelas e de quatro xelins para casas com onze até vinte janelas.


Como sempre acontece com legislações tributárias bastante inteligentes, o número de residências com má ventilação disparou e os mais pobres morando em grandes centros urbanos foram os prejudicados. Vivendo aglomerados em cortiços mal ventilados e numa época com pouco saneamento básico, doenças como tifo, varíola e cólera estavam se dando muito bem com essa aberração legislativa.


Exemplo de residência afetada pela legislação. Alexander P Kapp / No window tax here / CC BY-SA 2.0



Ainda em 1766, o imposto passou a englobar também em casas com sete ou mais janelas, agravando o problema.


Os impactos sobre a saúde pública já estavam se mostrando catastróficos já no início do século XVII. Todavia, somente em 1851 seria revogado, após muita pressão popular.



4. Imposto de renda estadual e doação de carcaças


Mais do que um país com carros grandes e confortáveis, os Estados Unidos possuem uma particularidade bem curiosa: o imposto de renda estadual. Ou seja, além do imposto de renda federal, há o estadual. Felizmente isso não acontece em todos os estados, graças aos resquícios de federalismo no país, que forçam uma certa competição entre os governos estaduais, além de as alíquotas serem relativamente baixas: a Carolina do Norte, com a maior alíquota, possui uma taxação de 5,49 %.


Mesmo assim, em muitos estados há aquele exercício desagradável da declaração do imposto de renda (como em Nova Iorque). Ou seja, é uma declaração no imposto de renda estadual e em federal, duas dores de cabeça.


Na Carolina do Sul, por exemplo, há algo bem pitoresco: caçadores com licença para operarem como açougueiros, empacotadores de carne ou de plantas de processamento, podem ganhar um crédito tributário de US$ 75 para cada carcaça que eles doarem para a caridade.


Ao passo que no Brasil os medicamentos não são dedutíveis no imposto de renda, nos EUA os remédios com prescrição médica constam como dedução. Até máscaras faciais, álcool em gel e lenços desinfetantes podem ser deduzidos (neste caso em nível federal).


Eu só espero que não inventem aqui no Brasil e decidam impor um imposto de renda estadual de 40 %...



5. Imposto de renda mesmo quando morando em outro país


Não bastando isso, os americanos ainda lidam com o imposto de renda baseado na cidadania e não no local de residência: ou seja, não importa onde você more, você sendo cidadão americano (ou residente americano; neste caso seria algo diferente, afinal o limite para quem tem residência permanente de ficar fora dos EUA é geralmente de até seis meses ao ano), terá que pagar e/ou declarar o imposto de renda.


A Eritreia é outro país que cobra esse imposto de renda, mas é uma alíquota fixa de 2 %.


E o pior é que essa modalidade é tão antiga quanto a própria Guerra de Secessão, afinal isso foi criado como uma nova forma de sustentar os gastos governamentais durante esse período (e que acabou também aumentando o poderio governamental).


Vários outros países tentaram por essa aventura (como o Vietnã), mas no final, apenas Estados Unidos e Eritreia continuam com essa maluquice tributária.


Como resultado disso, é comum haver casos de pessoas renunciando à cidadania americana. Um caso conhecido foi o de Eduardo Saverin, que renunciou à cidadania para ir para Singapura.



6. Imposto em criptomoeda


Dessa vez sendo algo recente, a Prefeitura do Rio de Janeiro anunciou, em 25 de março desse ano de 2022, que será possível fazer o pagamento do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) em criptomoedas à partir do ano de 2023. Não se sabe, até o momento, sobre o detalhamento disso. No mínimo, é bastante curioso. Por exemplo, se o indivíduo pagar em Bitcoin todos os anos (uma moeda que está com tendência de valorização ao longo do tempo¹), então é bem possível que, ao longo dos anos, o imposto será menor em termos reais, principalmente se a Prefeitura estiver com reais brasileiros nos cofres.



7. Sobrou até para as flatulências


Como de praxe, os ambientalistas usam de sua retórica e de vários discursos como uma forma criativa de aumentar o poder regulatório e de tributação. Já que o marxismo original é muito radical e destruiria uma economia de maneira muito rápida (e resultando em genocídios), a pauta verde então é mais palatável, ou pelo menos assim aparenta.


Na Dinamarca existe o chamado imposto da flatulência: alegadamente contribuinte para o efeito estufa, o gás metano (CH₄) é emitido via flatulência das vacas (Bos taurus). Por lá, o imposto é de até US$ 110 por cada vaca.


Para os neozelandeses, a ideia é ainda mais ousada: querem taxar os arrotos tanto das vacas quanto das ovelhas (Ovis aries). Além de supostamente contribuírem para o aquecimento global (ou mudanças climáticas? Pelo jeito ainda não entraram em consenso), até o esterco de vaca emite metano. O fato de existir um ministério para mudanças climáticas mostra bem como o aparato estatal se sofisticou ao longo dos últimos séculos.




A lógica estatal


Na burocracia estatal, não precisa existir lógica econômica e nem racionalidade, ao menos não no mesmo sentido do livre mercado.


Diferente do que o proposto por Max Weber, onde ele afirma que a burocracia (ANDERSON, 2004, p. 6) é um ponto de evolução da organização social e que é algo inevitável e com superioridade técnica, o objetivo principal da burocracia é de manter todo o aparato estatal funcionando e, sempre que possível, aumentar o seu próprio poder.


A burocracia não envolve apenas todo o aparato de regulações, proibições, cotas e subsídios mas também todo o sistema tributário. Afinal, o nosso sistema de imposto de renda retido na fonte, nada mais é do que uma burocracia com parcial terceirização para os indivíduos prontos a serem espoliados todos os anos.


Murray Rothbard afirma, no artigo "Como funciona a burocracia estatal":


"Em uma empresa privada que opera concorrencialmente no mercado, os desejos e objetivos dos administradores estão atados aos objetivos lucrativos dos proprietários. Como explica Mises, o administrador de uma sucursal tem de garantir que sua divisão irá contribuir para os lucros da empresa. Por outro lado, uma vez abolido esse regimento dos lucros e prejuízos — isto é, movendo-se para o âmbito estatal —, os desejos e objetivos dos administradores, limitados somente pelas ordens e pelo orçamento da legislatura central ou do comitê de planejamento, passarão a falar mais alto. E esses desejos e objetivos, guiados somente pela ambígua rubrica do "interesse público", significam na verdade aumentar a renda e o prestígio do burocrata-chefe daquela divisão. Em uma burocracia restringida por regulamentos, essa renda e status inevitavelmente vão depender de quantos sub-burocratas estão subordinados ao burocrata principal. Quanto mais sub-burocratas estiverem sob o comando de um alto burocrata, maior será a renda e o prestígio desse burocrata.


Como consequência, todos os departamentos e agências estatais irão se engalfinhar em seguidas contendas, cada um tentando aumentar suas funções e seu número de empregados, além de tentar se apossar das funções de outras agências. Portanto, ao passo que a tendência natural de empresas e instituições que operam no livre mercado é ser a mais eficiente possível em atender às demandas dos consumidores, a tendência natural da burocracia estatal é crescer, crescer e crescer, e tudo à custa dos espoliados, extorquidos e ignorantes pagadores de impostos."



Voltando à questão dos tributos (ou impostos) com critérios bizarros, existe sim uma racionalidade, mas no sentido de sempre em aumentar de tamanho (seja no valor seja em seus critérios), afinal quanto mais leis, resoluções, portarias, decretos-lei, decretos, leis complementares, normas regulamentadoras, etc., mais instrumentos para a estrutura estatal surgem para o seu próprio crescimento. De um cíclope, o estado torna-se então um verdadeiro titã, uma criatura monstruosa, com toneladas e mais toneladas de dívidas, déficits e gastos em crescimento.


Assim afirma Michael Rozeff, em "O poder de tributar é o poder de destruir":


"Sexto, os governantes têm um incentivo para camuflar os impostos que criam, de modo que os governados nem mesmo saibam o quanto de impostos estão pagando. Os governantes aprendem a dispersar o fardo tributário mais amplamente, de modo que ele se torne mais suportável. É por isso que os governantes instituem impostos retidos na fonte, encargos sociais, trabalhistas e previdenciários, impostos sobre a gasolina, impostos sobre vendas, impostos sobre a cadeia produtiva etc. Adicionalmente, eles fazem com que os códigos tributários sejam tão impossivelmente complexos, que até mesmo os fiscais da Receita são incapazes de entendê-los.


Após algum tempo, a atenção do público é absorvida pela complexidade do código tributário, deixando-se de se concentrar nos impostos propriamente ditos. Aqueles que debatem a necessidade de simplificar o código tributário frequentemente afirmam que suas propostas irão reduzir os impostos. Isso pode acontecer; assim como os porcos podem algum dia colonizar Marte. Os governantes não têm o menor incentivo para adotar simplificações tributárias, a menos que esperem obter disso algum ganho — ganho de receita, de poder ou de algum outro benefício."



É exatamente por essa lógica perversa que temos exemplos tão estranhos em matéria de tributação mundo afora. Antes o indivíduo abertamente sabia o montante que ele deveria ser obrigado a pagar (e é por isso que a resistência tributária era muito maior, dado o fato de que a carga tributária era ínfima antes da criação do banco central). Hoje, existe uma verdadeira capilarização nos sistemas de coletas de impostos, propositalmente para dar mais poder ao estado.


Por este motivo, a burocracia não apenas deve ser questionada em termos discursivos ou mesmo de forma verbal, mas também deve ser diminuída o máximo possível. Não para tornar o estado mais eficiente e sim para torná-lo cada vez menos intrusivo e relevante para a sociedade.



 

Notas e referências:


¹ Tal fato não implica em um conselho de investimento, todavia.

[1] ANDERSON, W. MISES VERSUS WEBER ON BUREAUCRACY AND SOCIOLOGICAL METHOD. Journal of Libertarian Studies, v. 18, n. 1, p. 1–29, 2004.


 

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