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Como estava a economia americana em Todo Mundo Odeia o Chris?

Atualizado: 25 de fev. de 2022

Felipe Lange


Quando comecei a assistir essa genial série (na Rede Record), o presidente do Banco Central do Brasil ainda era Henrique Meirelles, com o País possuindo grau de investimento (e ninguém foi trancado dentro de casa por causa da Gripe Suína).


À parte o fato de a série ter um humor inigualável e com certa inteligência, nesse artigo vou decidir mostrar para vocês como estava a economia americana nos anos retratados pela série americana. Pode sim haver algumas revelações sobre o enredo da série (conhecidas como "spoilers"), mas o fato é que esse não é o principal objetivo do artigo.


Sabe-se que na realidade a adolescência de Chris Rock se passou entre os anos de 1978 e 1984 e não nos anos abordados na série, então vamos deixar esse preciosismo de lado e abordar quase a totalidade da década de 1980, que é o que a série mostrou.


A obra televisiva não mostrou esses aspectos econômicos (e nem deveria ser obrigação deles), então aqui eu mostro para você.



Contexto histórico


Apesar da difícil vida de Chris Rock ao longo de sua adolescência e de outros desafios que envolveram problemas que existem no país até hoje (tais como o racismo estrutural e uma clara divisão entre brancos e negros, algo diferente em relação ao Brasil; ver nota no fim do artigo¹), a economia americana vivenciaria uma grande mudança nessa década de 1980, depois de uma década bastante ruim nos anos 1970. O que é que mudou? Vamos às preliminares.



Preliminares


É por meio delas que vamos chegar ao "G" desse artigo.


Com a estagflação e o desempenho desastroso em lidar com a crise de reféns no Irã, o governo Jimmy Carter perdeu bastante popularidade em seus últimos anos. Além disso, ele perdeu apoio de sindicalistas como os do Teamster's Union, pelo fato de o Jimmy ter desregulado o setor de transportes de carga de caminhões e ferrovias.


Nas primárias republicanas feitas no primeiro semestre de 1980, o vencedor fora Ronald Reagan, à época com 69 anos.


Durante sua campanha presidencial, Ronald prometeu aumentar os gastos militares e passar reformas do lado da oferta e de equilibrar o orçamento (conhecidas como supply-side), afinal ele era um aberto defensor dessas teorias pró-mercado. Além de defender um dólar forte, já se falava da possibilidade de o dólar voltar a ser um padrão-ouro, que foi uma de suas promessas de campanha.


No dia 4 de novembro, então, Ronald Reagan venceria a eleição, com diferença de quase dez pontos percentuais sobre o rival Jimmy Carter.


Mapa que mostra os resultados eleitorais por condado. Foto por Tilden76. Imagem sob licença Attribution 3.0 Unported (CC BY 3.0).



Impostos e reforma tributária


Já em 1981, ele passaria o Economic Recovery Tax Act of 1981, o que ocorreria em agosto.


Entre as principais medidas da lei, foram:


  • A alíquota máxima do imposto de renda para pessoa física passava de 70 % para 50 %. A alíquota mínima ia de 14 % para 11 %;

  • A alíquota máxima dos impostos sobre ganhos de capital caiu de 28 % para 20 %;


No ano seguinte, todavia, alguns dos aspectos do ERTA foram revogados, através do Tax Equity and Fiscal Responsibility Act of 1982, cujo projeto havia sido proposto por um político democrata (Pete Stark). Tal lei sofreria inúmeras críticas, por na prática ter implicado em aumento de impostos, com reversões de brechas legislativas e reduções de imposto de renda que ainda não entraram em vigor.


Já em 1986, Reagan sancionaria a reforma tributária, denominada Tax Reform Act of 1986 (achou que essa discussão só existe no Brasil?), com o retorno da alíquota máxima sobre os ganhos de capital para 28 %, embora a alíquota máxima do imposto de renda para pessoa física tenha caído mais ainda, de 50 % para 38,5 %, posteriormente chegando a 28 %. Algumas brechas legislativas também voltaram. Os impostos corporativos também caíram em 30 %.


O próprio presidente americano usou o seu caso pessoal para defender redução de impostos: durante a sua carreira de ator em Hollywood, ele lidava com uma alíquota de 90 % de imposto, dizendo de que era um verdadeiro desincentivo para o trabalho.



Desregulações e sindicatos


Já em janeiro de 1981, Ronald Reagan aboliu, por decreto, as regulações nos preços sobre o setor de petróleo e seus derivados (os controles de preços que estavam deixando os americanos agonizando em filas e com falta de combustível). A indústria de gás natural e petróleo também sofreu desregulação.


No setor bancário, acabou-se com o controle de juros (havia um teto de juros para os chamados Savings and Loan, instituições financeiras de poupança e empréstimos para imóveis). Houve desburocratização também nos setores de ônibus interestadual, telefônico e de frete marítimo. Os controles federais de preços sobre as tarifas aéreas também foram abolidos, dando continuidade à abertura do setor feita pelo antecessor Carter.


O Ministério do Interior disponibilizou inúmeras terras federais para desenvolvimento pelo setor privado.


Uma de suas atuações mais marcantes foi, entretanto, com relação aos sindicatos.


Nesse ano de 2021, fez 40 anos que ocorreu uma grande greve nos Estados Unidos no setor aéreo, organizada então pelo sindicato denominado Professional Air Traffic Controllers Organization. Esse sindicato envolvia os funcionários em nível federal da Federal Aviation Administration. Entre as reivindicações, estavam por maiores salários e menores jornadas de trabalho, com um aumento de US$ 10 mil para os funcionários e uma jornada de 32 horas semanais.


Em 3 de agosto de 1981, o PATCO votou e então iniciou as suas greves, após negociações frustradas com o governo federal. Em consequência disso, cerca de 7000 voos foram cancelados. Nos Estados Unidos, é proibida a greve de funcionários federais (e também em nível municipal e estadual). Diante disso, Reagan deu um ultimato: se eles não voltassem ao trabalho em 48 horas, seriam demitidos. A justiça federal à época também havia julgado a greve como ilegal. Como apenas uma minoria voltou ao serviço, Ronald Reagan demitiu 11.359 funcionários da agência. No dia 17 de agosto, o FAA começou a aceitar novas aplicações de emprego e o sindicato foi banido pelo National Labor Relations Board. Os grevistas foram proibidos de ingressar no funcionalismo, algo que seria revertido em 1993 por Bill Clinton.


Os novos funcionários contratados para o FAA criaram o sindicato National Air Traffic Controllers Association. Apesar dessa reversão, os sindicatos americanos perderam bastante poder desde a década de 1980, o que também ocorreu no thatcherismo. A popularidade de Reagan aumentou, com as greves do PATCO não sendo bem aceitas pelo público americano.


Foto: Dwayne A. Threadford usa uma camiseta chamativa enquanto faz um greve na FAA, em 4 de agosto de 1981. De Roger Ressmeyer/CORBIS.



Com a desregulação do setor de ônibus (via Bus Regulatory Reform Act of 1982, proposta pelo democrata Glenn Anderson), ocorreram greves em 1983, organizadas pelo Amalgamated Transit Union, sindicato que representa vários profissionais do setor de transporte coletivo. Essa greve ocorreu na companhia de ônibus Greyhound Lines Inc. em Seattle. Com a desburocratização, novos motoristas podiam entrar no ramo sem precisar se filiar a sindicatos e aceitando menores salários. Para competir com os entrantes, a Greyhound queria cortar salários e benefícios de seus funcionários, que é o que acabou causando a greve.


De certa forma, as empresas estabelecidas de ônibus também competiam com as companhias aéreas, que agora ofereciam tarifas menores, graças à desregulação promovida no governo Carter em 1978.


A greve durou 7 semanas e teve várias brigas entre grevistas os fura-greves, que apenas queriam continuar trabalhando, com dezenas de pessoas presas. Os distúrbios acabaram em negociações de cortes salariais e de benefícios, com os funcionários trabalhando no dia seguinte. Entretanto, estouraria uma outra greve em 1990, quando Reagan já não era mais presidente.



Protecionismo, gastos e mais


Apesar de ter aumentado os seus gastos militares, o presidente cortou algumas despesas nos ministérios do Comércio, Educação, Transportes, e do Interior. Ele tentou fazer cortes maiores nas despesas, mas teve problemas com o Congresso americano, que estava relutante em fazer uma austeridade maior. Com isso, a dívida subiu junto com os gastos, embora os déficits, no último ano de seu mandato tenham mudado pouca coisa. Ele também cortou despesas no Enviromental Protection Agency, Ministério de Energia e Occupational Safety and Health Administration. Mesmo com esses cortes, Ronald Reagan aumentou consideravelmente os gastos militares e expandiu o esforço da guerra contra as drogas (obviamente esse maior esforço tinha que vir dos pagadores de impostos dos Estados Unidos).


Apesar de considerado um conservador, Ronald Reagan falava sobre as vantagens de imigrantes para a economia (um dia posso fazer um artigo só sobre esse tema, ou talvez um livro... serei odiado, eu acho). Embora ele tenha sancionado uma lei para fortalecer a fiscalização das fronteiras e com punições para empregadores que contratassem imigrantes ilegais (o chamado Immigration Reform and Control Act of 1986), a lei acabou anistiando, também, cerca de 2,8 milhões de imigrantes ilegais.


Ronald Reagan também praticou protecionismo: ele implantou um programa de restrição de carros importados do Japão, já que uma enxurrada de carros japoneses estava invadindo o país e tirando de cena os carros americanos pouco confiáveis e ineficientes. Contraditoriamente a isso, ele acabou dando seguimento ao protótipo do NAFTA, em 1988. Reagan, entretanto, não superou o Brasil: por aqui não apenas as tarifas de importação frequentemente passavam de 60 % para inúmeros produtos, mas também muitos produtos eram proibidos de serem importados. Como isso prejudicaria de certa forma o setor exportador americano e esse setor é sempre poderoso na política, Reagan retaliou em 1987, impondo restrições de importações brasileiras para inúmeros produtos (à época, o setor de informática brasileiro ficou proibido de comprar produtos do setor dos americanos). Parte da pauta de exportação brasileira envolvia componentes de informática, que era enviada inclusive para os Estados Unidos. Nessa época, o maior parceiro comercial ainda eram os Estados Unidos (a China ocuparia o posto algumas décadas depois).



Resultados


Com os ajustes e reformas, a economia americana cresceu forte. Fora o período recessivo de todo o ano de 1982 (quando houve a subida dos juros para conter a carestia, com o pico de 15 % em janeiro), os americanos vivenciaram um crescimento respeitável, entre os maiores do mundo desenvolvido, ou seja: um país rico e com forte crescimento.


Crescimento anual do PIB (trimestre em relação ao trimestre do ano anterior), 1º trimestre de 1970 a 1º trimestre de 1989.



O desemprego também caiu, para 5,2 % em fevereiro de 1989 (quando quem assumiria a linha sucessória seria o republicano George Bush pai). Os valores chegaram aos menores níveis desde dezembro de 1972, com números também próximos aos de junho de 1964, novembro de 1954 (5,3 %) e julho de 1950 (5 %).


Taxa de desemprego (%), janeiro de 1970 a fevereiro de 1989.



Donald Trump, entretanto, conseguiu superar no baixo desemprego: a economia americana ficou com uma cifra fantástica de 3,5 % em fevereiro de 2020, entre as menores dos países desenvolvidos.


Com Ronald Reagan, Donald Regan e Paul Volcker defendendo um dólar forte, somados ao crescimento econômico robusto e na atratividade dos títulos governamentais americanos, o resultado não poderia ser outro: o dólar atingiu uma alta histórica, como nunca antes na história deste país.


O índice DXY chegou ao pico de 164,72 pontos, em 25 de fevereiro de 1985.


Índice DXY, 01/01/1970 - 01/03/1989



Isso acabou que ajudando também no índice de preços, que finalmente começou a ceder.


Índice de preços, janeiro de 1970 a fevereiro de 1989



Com a carestia controlada, os juros básicos puderam cair.


Taxa básica de juros, janeiro de 1970 a fevereiro de 1989.



Entretanto, tamanha valorização do dólar frente moedas poderosas como franco suíço, marco alemão e iene japonês não deixou todo mundo feliz, e é isso o que veremos agora.



O Acordo de Plaza


Com a reeleição garantida em 1984, o dólar continuava ganhando força, atingindo o fantástico valor de 164,72 pontos, em 25 de fevereiro de 1985, como já dito.


E como não é de se surpreender, isso incomodou os mercantilistas do setor exportador, que agora tinham de ser mais competitivos para disputar com os importados mais baratos vindo para os americanos. Donald Regan, o primeiro secretário do Tesouro do governo Reagan, não via problema algum com os déficits na balança comercial (e ele tinha razão) e via o dólar forte como um voto de confiança para os Estados Unidos, opondo-se a intervenções para desvalorizar a moeda.


Para facilitar esse esquema, então o Regan concordou em sair do Departamento do Tesouro, cedendo o posto para James Baker, com Donald indo como chefe do gabinete da Casa Branca, na prática havendo uma troca de postos, ocorrendo em 1º de fevereiro de 1985.


Em 22 de setembro, após a reunião dos governos de Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Estados Unidos, houve o acordo: o governo americano desvalorizaria o dólar, com os governos dos outros países se comprometendo a reduzir o déficit fiscal e a implantar cortes de impostos, além de promover abertura comercial (ao menos é o que foi alegado).


Só que, com a forte desvalorização do dólar, veio o outro lado: no Japão o setor exportador também reclamou (afinal o iene japonês se valorizou bastante), de forma que o Bank of Japan acabou que incorrendo em políticas monetárias expansionistas, reduzindo a taxa básica de juros. Como a inflação de preços estava voltando a incomodar, o banco central foi forçado a elevar os juros.


O marco alemão seguiu o mesmo caminho de valorização:


Taxa cambial dólar americano/marco alemão, 06/03/1980 - 01/12/2001.



Assim como o franco francês...


Taxa cambial dólar americano/franco francês, 06/03/1980 - 01/12/2001.



... e a libra esterlina:


Taxa cambial dólar americano/libra esterlina, 06/03/1980 - 01/12/2001.



Entretanto, mesmo o dólar em desvalorização começou a ser um incômodo para o governo americano e a percepção é de que tinham atingido os objetivos. Com isso, em 22 de fevereiro de 1987, foi assinado o Acordo do Louvre, com os países signatários sendo Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Japão e Reino Unido. Apesar disso, o índice DXY nunca mais chegou àqueles patamares de 1985.


No mesmo ano, em 2 de junho, Ronald Reagan indicaria Alan Greenspan para a presidência do banco central americano, tendo sido aprovado no Senado em 11 de agosto de 1987 (à época ele tinha 61 anos).


Com Regan fora do Departamento do Tesouro, James Baker disse, em meados de outubro de 1987, que deixaria o dólar se desvalorizar. Isso é apontado como uma das causas para a Segunda-Feira Negra, ocorrida em 19 de outubro de 1987. Semanas após, ele continuaria com esse compromisso. À grosso modo, a quebra da bolsa de valores em 1987 foi culpa, de novo, do Banco Central dos Estados Unidos e sua política expansionista.



Um pouco sobre Alan


Alan Greenspan atualmente tem 95 anos e, antes de entrar para a presidência do banco central, era um objetivista e seguidor das ideias de Ayn Rand. Um de seus artigos interessantes foi a publicação do artigo de nome "Ouro e liberdade econômica", no ano de 1966. Nesse longo texto, ele faz uma defesa do padrão-ouro.


Embora o dólar tenha se comportado bem até o início dos anos 2000, Alan era menos falconista e estava mais aberto à políticas expansionistas, tanto é que ele acabou contribuindo para o estouro da bolha das empresas pontocom. Alan ficou por 17 anos na presidência do Federal Reserve System.


Nessa foto da década de 1950 em um círculo social, é possível ver Ayn Rand (sentada à direita) e o ainda jovem Alan Greenspan, a segunda pessoa à partir da esquerda. Autoria desconhecida. Ambos eram bastante próximos.




Apesar dos equívocos, um bom legado


De maneira inegável, o governo Ronald Reagan trouxe bons frutos para a economia americana, continuando com as desregulações, assim como na redução de impostos, além de ter ajudado a dar a credibilidade que o dólar americano havia perdido com a quebra do Acordo de Bretton Woods de 1971. Foi a primeira década de sucesso para os Estados Unidos sob um regime de papel flutuante. Tal sucesso foi o que garantiu a eleição do sucessor George Herbert Walker Bush em 1988. Entretanto, Bush errou em não ter dado continuidade àquilo que o Reagan fez, incorrendo em aumentos de impostos (tanto sobre ganhos de capital quanto sobre... iates), o que acabou dando chance para Bill Clinton ganhar nas eleições de 1992.


Que a economia americana não perca a virtude de lidar com governos pró-negócio, mesmo se for do Partido Democrata.



 

Imagem de abertura: 3 Art Entertainment/Divulgação.


 

Referências e notas:


[1] History.com Editors. Ronald Reagan fires 11,359 air-traffic controllers. Disponível em: https://www.history.com/this-day-in-history/reagan-fires-11359-air-traffic-controllers. Acesso em: 24/10/2021


[2] NPR. 1981 Strike Leaves Legacy for American Workers. Disponível em: https://www.npr.org/2006/08/03/5604656/1981-strike-leaves-legacy-for-american-workers. Acesso em 24/10/2021.


¹ Ainda que exista sim racismo no Brasil, o racismo americano é algo estrutural, já que ao passo que no Brasil sempre houve uma integração entre diferentes etnias via miscigenação (desde a colonização), no caso americano leis segregacionistas vigoraram por muito tempo (foram revogadas somente em 1964!) e até hoje trazem traços para os americanos, o que foi abordado também no seriado.

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