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Uma crônica de duas austeridades

Felipe Lange


Andrés Manuel López Obrador, aquele que surpreendeu pela sua anormal austeridade nos anos pandêmicos (e que incomodou os defensores do "novo normal" estímulo fiscal), conseguiu manter tal trajetória até o fim de 2022. Então, de 2023 em diante, os gastos voltaram a aumentar. Apesar disso, a dívida bruta não explodiu (49,1 % do PIB em 2023 contra 74,3 % para o Brasil).


Gastos governamentais por trimestre, março de 1993 a dezembro de 2023, em milhões de pesos mexicanos



Depois da grande desvalorização por um período breve na pandemia em 2020, o peso mexicano sofreu uma formidável valorização, com o dólar americano atingindo valores que não se viam em 2016 e 2017 (alguém imagina se hoje o dólar custasse menos de R$ 3,50?). Isso, junto com o aumento no salário mínimo nos últimos anos (que aumentou o seu valor real), explica a popularidade dele entre os pobres, apesar do crônico problema da criminalidade no país (que piorou nos últimos anos). Tal fenômeno com o salário também ocorreu no Brasil em 1998 e nos anos Lula na década de 2000 (e que Bolsonaro e sua turma não foram capazes de entender).


Todavia, desde 2 de junho deste ano, a moeda sofreu bastante, depois das eleições conduzidas no país. A vencedora fora Claudia Sheinbaum, indicada por ele, com impressionantes 59,76 % dos votos, mais do que o obtido por AMLO em 2018.


Tais turbulências se dão por causa de, entre outras coisas, do chamado "Plano C", que envolvem um pacote amplo de reformas, incluindo na atual Suprema Corte e nas regiões autônomas. Com maioria no Congresso, definitivamente, o Movimiento Regeneración Nacional (partido do governo) conseguiu tirar décadas e décadas do Partido Revolucionario Institucional no Executivo.


Taxa cambial dólar americano/peso mexicano, 16/06/2016 - 10/06/2024



Veremos como será Claudia e se ela irá surpreender como o Andrés.



Saudades daquilo que já vivemos


Quando eleito em 2002, Lula preparou uma equipe ortodoxa e técnica para a área econômica, optando pelo pragmatismo, logo em 2003. Além do Henrique Meirelles no Banco Central, o Ministério da Fazenda ficou com Antonio Palocci como ministro, além de Joaquim Levy, Marcos Lisboa e Murilo Portugal. Afonso Beviláqua, o durão que queria uma inflação de preços de 2 % ao ano, estava no BCB, assim como o Ilan Goldfajn. Afonso não conseguiu, mas deixou uma baixa cifra de menos de 4 % em 2007:


Índice de preços, variação anual em %, dezembro de 2002 a abril de 2007.



A meta do superávit primário, de 4,25 % para 2003, foi cumprida à risca (chegando-se à 4,4 % no mesmo ano). É verdade que não tivemos um superávit nominal, mas o déficit nominal ficou relativamente comportado, chegando à apenas 2,4 % do PIB em 2010. Por esse e outros motivos, o Brasil ganharia grau de investimento em 2008 (e perderia já sete anos depois, o que nunca recuperou).


Conforme mostra o gráfico abaixo, os gastos tiveram uma trajetória de equilíbrio de 2003 a 2004 e 2006 a 2009.


Gastos governamentais, valores mensais, em milhões de reais brasileiros, janeiro de 2003 a janeiro de 2011. Sistema Gerenciador de Séries Temporais, do Banco Central do Brasil.



Foi nessa época que a ala mais radical do Partido dos Trabalhadores sairia do partido, fundando o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Em 2003, seria aprovada a Emenda Constitucional Nº 41, que criou regras mais rígidas de aposentadoria para os funcionários à nível federal. Outras reformas pontuais foram aprovadas, incluindo-se a que permite empréstimos consignados no mesmo ano, a possibilidade de mais modalidades no mercado imobiliário no ano seguinte, a Lei das Falências em 2005, a liberação das tarifas aéreas domésticas (apesar do grave erro em ter criado a ANAC)


Lula mudaria seu rumo austero anos depois, deixando mais evidente após a crise de 2008 (como detalhado aqui). E não deverá continuar.



 

Foto de abertura: O ex-diretor do Banco Central do Brasil Afonso Bevilaqua (à esquerda), ao lado de Henrique Meirelles. Foto por Radiobrás.

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