Felipe Lange
Confesso que procurei pelas referidas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que tratassem disso, mas não encontrei. Diante dessa baderna, a única coisa formal encontrada fora o Requerimento de Audiência Pública (REQ 82/2024 CLP) pela deputada Erika Hilton (Partido Socialismo e Liberdade - SP), além da PEC 89/2015.
De acordo com a matéria da Gazeta do Povo, de 11 de novembro de 2024. O inciso XIII do artigo 7º da Constituição receberia a seguinte alteração (negritos meus):
"XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;"
Atualmente, a jornada máxima é de 44 horas. Embora a jornada prevista seja de oito horas, em alguns casos e cargos as jornadas são maiores do que 8 horas, o que irá depender da função, da vaga e da natureza da empresa.
Independentemente de isso estar em uma PEC ou não, o fato é que as reduções de jornadas de trabalho não ocorrem (e não ocorreram) por causa de legislações. Do mesmo modo, o Tallis Gomes também erra em correlacionar riqueza à maiores horas de trabalho, esta última visão lembrando bastante a teoria do valor-trabalho.
Uma das propostas similares fora a Proposta de Emenda à Constituição n° 89, de 2015 (que reduziria de 44 para 40 horas semanais), cuja tramitação fora encerrada em 2022. Houve uma breve abordagem dela neste artigo à época.
Isso funciona?
A França implementou algo parecido à isso ainda em 2000: a jornada semanal foi reduzida de 40 para 35 horas. Em questão de desemprego, não houve grandes mudanças e, além disso, outros fatores podem ter influenciado, já que nos últimos anos o governo reduziu impostos de renda das empresas. O governo grego já fez uma outra reforma no sentido contrário, dando a possibilidade de jornadas de seis dias semanais (embora com pontos ruins, como algumas imposições aos negócios que aderirem ao programa).
Do ponto de vista praxeológico, porém, a situação é ainda pior. O empregador não irá contratar outra pessoa só porque a pessoa que está empregada irá trabalhar menos horas por dia. Se o custo trabalhista adicional subirá com essa nova lei, por que o patrão iria contratar mais uma pessoa?
Conforme mostram os autores Julian Adorney e João Luiz Mauad no artigo "Agora o governo quer proibir o brasileiro de trabalhar mais":
"Abordemos, então, esse assunto de maneira franca e direta: leis impondo uma redução na jornada semanal de trabalho irão prejudicar exatamente aqueles trabalhadores que elas supostamente deveriam proteger. Esse tipo de regulação, na realidade, prejudica a capacidade dos trabalhadores de ganhar um salário decente. O argumento dos defensores dessa medida é o seguinte: se um patrão puder obrigar João a trabalhar 44 horas, ele fará isso; por outro lado, se ele for proibido disso, de modo que João só possa trabalhar no máximo 40 horas semanais, então o patrão será obrigado a contratar mais uma pessoa para ajudar João. [...] Em primeiro lugar, o trabalhador contratado para ajudar João não será tão eficiente quanto João (afinal, se ele fosse, então, por uma questão de lógica, o patrão já o teria contratado de qualquer maneira). Sendo assim, transferir parte do trabalho de João para esse recém-contratado fará com que a empresa seja menos eficiente. Isso pode significar preços mais altos, menor produção, menos capacidade de investimento e expansão, ou todos os três. Em segundo lugar, essa medida serve apenas para ajudar os desempregados à custa dos empregados. Se João quisesse ou necessitasse de trabalhar mais horas, azar o dele. Ele acabou de sofrer um corte salarial de 9% para que o outro pudesse ser contratado. Em terceiro, e o mais importante de todos, trabalhadores são pagos de acordo com o que produzem, de modo que, se não estão trabalhando e produzindo o suficiente, não há como eles ganharem o suficiente. Empresas não são instituições de caridade; se um empregado produz 100, não há como ele ganhar mais do que 100. Logo, se o tempo de produção diminui, então o salário também tem de diminuir. Sendo assim, leis que impõem uma jornada máxima reduzem a capacidade dos trabalhadores de aumentar seus salários, o que poderia ocorrer caso eles trabalhassem mais e produzissem mais. Isso é algo que os próprios sindicatos já haviam reconhecido no século XIX. Terence Powderly, líder do sindicato americano Knights of Labor (o maior e mais importante do país na década de 1880), afirmou que os trabalhadores não queriam jornadas menores se isso implicasse uma redução salarial. Mas foi exatamente isso o que as greves e as leis trabalhistas criaram. Por fim, desnecessário dizer que, se o governo impuser uma redução da jornada e, ao mesmo tempo, proibir reduções salariais, o resultado será o desemprego (vide a França) e a estagnação. Com menos produção e mais custos, não haverá muito dinheiro para as empresas fazerem novos investimentos e se expandirem."
Isso sem contar aquilo que não é visto: se as pessoas são proibidas de trabalhar mais horas e nos fins de semana, o que aquelas pessoas de folga irão fazer? Felipe, como assim?
Pense no setor de turismo e lazer, que funciona nos fins de semana e feriados. No extremo, pense até nos pedágios. As pessoas ali devem ser proibidas de trabalhar? As rodovias concessionadas devem ser fechadas em certas horas do dia? No Rio de Janeiro, até os policiais fazem plantões em eventos como o Ano Novo. Deveriam eles serem proibidos de propiciar segurança pública daqueles que estão se divertindo na praia, de folga? Você, como muitos milhões de brasileiros, quer se divertir, levar o companheiro no shopping (ou começar uma paquera), o que irá fazer com esses locais todos fechados pelo governo? Que direito eles possuem em determinar sobre em quais dias os indivíduos devem trabalhar?
Até porque, o fato de existir a opção de trabalhar nos fins de semana não quer dizer que todos serão obrigados a fazê-lo. Há vagas de trabalho com jornadas distintas e há aquelas que exigem disponibilidade de fim de semana. Alguém está te obrigando a trabalhar naquela vaga?
Além de gerar desemprego, criará uma distorção na alocação de tempo (recurso mais escasso que existe): afinal, com estabelecimentos fechados por mais tempo, haverá uma tendência de lotação nesses estabelecimentos, além de mais trânsito e congestionamentos, afinal mais pessoas irão para o supermercado em um mesmo dia, com menor distribuição de tempo ao longo da semana. Consequentemente, mais estresse e menos horas livres no dia, justamente aquilo que os que dizem se preocupar com os trabalhadores acabarão causando.
Ainda conforme disse Ivanildo Terceiro há alguns dias, isso irá criar mais concentração de mercado e aqueles grandes estabelecimentos irão direto para a automação (fenômeno que já tem ocorrido nos Estados Unidos), punindo os pequenos comércios e empurrando os trabalhadores sem experiência para informalidade ou desemprego.
Ainda, de forma empírica, a proibição da escala "6 x 1" (seis dias de trabalho semanais, por meio do sindicato) em Espírito Santo provocou as seguintes consequências (o tuíte também está abaixo para consulta):
Queda de 30 % nas vagas de trabalho;
Fechamento de muitas lojas de comércio pequenas;
Queda no turismo, pois os turistas não tinham onde consumir;
Alta no custo de hotéis e hospedagens;
E há ainda aqueles que reclamam, e com muita razão: há poucas vagas e condições de trabalho que nem sempre são as melhores. Ironicamente, é a Consolidação das Leis do Trabalho (da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas), alegadamente para combater abusos contra os trabalhadores, que fomenta isso. Como?
Com o encarecimento artificial dos custos trabalhistas, haverá uma menor oferta de patrões, pois nem todos terão condições de arriscar em um empreendimento. Segundo estudos da Fundação Getúlio Vargas, o custo efetivo de um funcionário para uma empresa chega a ser três vezes o salário contratado, isso sem contar os altíssimos custos dos processos trabalhistas (que estão voltando a subir mesmo após a pequena reforma de 2017, por culpa do ativismo judicial). É mole?
Os brasileiros trabalham muito?
Depende do que você define como tal. Há muitos entregadores e motoristas de aplicativo que trabalham mais de oito horas por dia (pois essa modalidade de trabalho é a alternativa que sobrou para milhões numa economia amarrada). Objetivamente, todavia, a jornada de trabalho no Brasil caiu nas últimas décadas.
Esse gráfico aborda o histórico brasileiro de 1950 até 2017. O pico se deu em 1970, quando as horas anuais foram em 2.145 (ou 178,75 horas mensais, ou 44,68 horas semanais). Em 2017, foram em 1709 horas (ou 142,41 horas mensais, ou 35,6 horas semanais).
Em dados mais recentes (segundo trimestre de 2024), a média de jornada foi para 39,2 horas semanais (ou 1881,6 horas anuais; no México é de 2.207 horas ao ano). Esse aumento provavelmente se deu pela situação econômica, já que em 2017 o Brasil estava passando por uma depressão econômica (algo que não se via desde a década de 1930!), o que faz com que haja uma alta em acordos de redução de jornadas de trabalho. Quando a economia está bombando, as pessoas tendem a trabalhar mais, pois isso aumenta o custo de oportunidade daquela hora que deixou de ser trabalhada.
No século XIX, as jornadas de trabalho eram bem maiores. Nos Estados Unidos, cuja economia estava bombando em 1870, os trabalhadores trabalhavam em média de 64,5 horas por semana. Na França, 66 horas. Na Alemanha, 68,41 horas. Para os nossos olhos de hoje, essas condições são horrorosas (e com razão), mas pelo contexto da época, essas eram as condições de trabalho nas regiões mais prósperas do mundo.
E a humanidade nesses países não colapsou por causa disso (e nem a do Brasil, pois a jornada era similar). Muito pelo contrário, o padrão de vida só aumentou, inclusive com alta na taxa de natalidade. E esse aumento no padrão de vida se deu como? Vamos ao próximo tópico.
Fácil e difícil
Como mostrado, a redução das horas de trabalho dispendidas ocorreu de forma mundial, nas diferentes culturas e economias, só que isso leva tempo. Esses processos podem levar décadas para ocorrer. Ou seja, esse fenômeno depende de uma baixa preferência temporal, com o indivíduo sendo capaz de pensar a longo prazo. É por isso que sem poupança (a abstenção do consumo, não necessariamente a aplicação em poupança), uma sociedade não sai do ponto de subsistência.
Explicado por Hans-Hermann Hoppe:
"Embora seja verdade que o objetivo supremo de toda atividade humana é o consumo -- você trabalha e produz visando a uma renda que então irá lhe permitir pagar por produtos e serviços --, o fato é que não é possível haver consumo sem que antes tenha havido produção. E não é possível haver produção sem antes ter havido poupança. Explico. A natureza, por si só, nos agraciou com pouquíssimos bens de consumo, como maçãs em árvores ou frutas silvestres em arbustos. Se quisermos obter qualquer coisa além deste nível de consumo ofertado pela natureza, temos de antes produzir os bens que posteriormente iremos consumir. Ou seja, primeiro temos de criar e construir ferramentas, instrumentos ou máquinas -- em termos econômicos: bens de capital ou bens de produção --, os quais irão então nos ajudar a elevar a quantidade de bens de consumo fornecidos pela natureza (como maçãs e frutas silvestres) para um nível acima de sua quantidade natural ou que, melhor ainda, irão nos ajudar a criar bens de consumo totalmente novos, isto é, bens que não existem na natureza (como casas e carros). No entanto, inventar, desenvolver e construir esses bens de capital (como facas, baldes, redes, martelos, tijolos, placas de aço etc.) são atividades que demandam tempo. E para sobreviver ao tempo necessário para a construção destes bens -- isto é, ter o que comer e beber enquanto trabalha nestas atividades --, uma poupança prévia de alimentos e bebidas é necessária. Sem essa poupança prévia, e sem o 'investimento' desta poupança na produção e na acumulação de bens de capital, nenhum aumento do consumo futuro será possível. Indo para um arranjo mais moderno, uma sociedade que consumisse todos os recursos escassos disponíveis, sem poupar nada, não teria como transformar este recursos escassos em bens de capital. Não haveria cimento, aço, vergalhões, tijolos, azulejos, plástico, alumínio e vários outros recursos escassos para serem usados como insumos na produção. Consequentemente, nada conseguiriam produzir para o futuro. Assim, em uma sociedade puramente consumista não haveria um único bem de capital existente: não haveria moradias, não haveria fábricas, não haveria infraestruturas, não haveria meios de transporte, não haveria maquinários, não haveria escritórios e imóveis comerciais, não haveria laboratórios. Também não haveria cientistas, não haveria arquitetos, não haveria universidades."
E é aí que entra a redução da jornada de trabalho: como as pessoas se tornam mais produtivas, isto é, produzem mais bens e serviços pelo mesmo tempo gasto, elas conseguem maior tempo de lazer, afinal o padrão de vida delas não foi afetado por essas horas trabalhadas a menos. A produtividade foi tamanha que isso foi capaz de dar mais horas que poderiam ser utilizadas para atividades de lazer, consumo e mais.
Além disso, a própria competição entre os empregadores para obter os empregados entrou no jogo, já que isso fez com que se aumentasse a oferta de empregos com melhores condições de trabalho, pagando melhor e com menores jornadas. Todo esse fenômeno ocorreu em um cenário com fraca ou escassa regulação trabalhista (no caso americano), e que ainda acontece nos dias atuais (haja vista os recentes aumentos salariais oferecidos durante a pandemia nos Estados Unidos, para tentar contratar aqueles que queriam ficar em casa).
O artigo ainda menciona:
"Ainda hoje, há pessoas que realmente acreditam que no século XVIII havia o mesmo tanto de riqueza que há hoje, de modo que, se os salários eram baixos (comparado aos padrões de hoje), se a segurança no trabalho era precária (de novo, comparado aos padrões de hoje) e se mulheres e crianças trabalhavam, isso só ocorria porque os malditos e gananciosos capitalistas se recusavam a prover segurança e salários altos, e obrigavam mulheres e crianças a trabalhar. Tais pessoas realmente acreditam que bastava apenas um decreto governamental para que um trabalhador em 1750 gozasse dos mesmos confortos, segurança no trabalho e níveis salariais vigentes hoje. É inacreditável. Para quem está acostumado a todas as comodidades e confortos do século XXI, é claro que as condições de vida do século XVIII pareciam "sub-humanas".
Em um país ainda com baixa produtividade (já fomos passados pelos russos), como é que vai ficar essa conta de jornada de trabalho na marra?
Este gráfico abaixo mostra a relação entre produtividade e horas anuais de trabalho, comparando o Brasil com diversos outros países.
Horas anuais trabalhadas (eixo y) x produtividade em PIB por hora de trabalho (eixo x; ajustado para inflação e diferentes custos de vida dos países, em dólar americano, 1950 a 2019)
Houve um pico de produtividade no Brasil em 2011 (quando chegou a US$ 20,9/hora), depois com queda, chegando a US$ 19,2/hora em 2019. Em 2023, caiu para US$ 17. Uma das honrosas exceções é o agronegócio, cuja produtividade cresce em média de 2,9 % anuais nos últimos 50 anos (ver à partir de 3:53 no vídeo). Como essa conta vai fechar?
Mais sanidade econômica
Se as pessoas querem melhorar as condições de trabalho e aumentar os salários, elas deveriam lutar por pautas como desrregulação trabalhista, redução dos impostos e melhora na segurança jurídica, não por mais regulações que irão gerar uma massa ainda maior de desempregados.
Essas são pautas que precisam ficar no imaginário popular, porque se parte da classe política realmente defende pautas mais intervencionistas, então há, de fato, uma parcela do eleitorado que compactua com isso.
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